No passado dia 4 de Abril, Dimitris Christoulas, um pensionista de 77 anos, desferiu um tiro na própria cabeça em frente ao Parlamento grego. Deixou uma carta explicando o seu desespero pelas dívidas que acumulava e na qual atribui as culpas do ato à crise económica e ao governo. A sua morte comoveu o mundo e incendiou ainda mais os protestos da população grega contra a austeridade. Apesar do mediatismo a que foi sujeito, este está longe de ser um caso isolado.

A revista The Lancet, uma das mais conceituadas publicações médicas a nível mundial, concluiu que a subida da taxa de desemprego coincidiu com o aumento do número de casos de suicídio em nove dos dez países europeus analisados. O estudo foi elaborado a partir de dados da Organização Mundial de Saúde referentes à mortalidade abaixo dos sessenta e cinco anos em dois grupos de países: os países que são membros da União Europeia há mais tempo (Áustria, Finlândia, Grécia, Irlanda, Holanda e Reino Unido) e os países que aderiram mais recentemente (República Checa, Hungria, Lituânia e Roménia).

O estudo propunha-se a verificar se a taxa de suicídios nos países europeus aumentou com a subida do índice de desemprego que se verificou com a chegada da crise em 2008. Os resultados são contundentes: de todos os países analisados, apenas na Áustria o índice de suicídio não acompanhou a ascenção da taxa de desemprego. Nos países mais antigos da União Europeia, a subida do número de suicídios no ano de 2008 foi de quase 7%. Neste gráfico, é possível conferir a evolução das taxas de suicídio e desemprego da população adulta, nos países mais antigos (old) e mais recentes (new) da União Europeia, a partir do ano de 2007, o último ano antes do início da crise financeira.

Os analistas acrescentam que estes resultados são consistentes com os dados da União Europeia relativos aos anos anteriores a 2004, nos quais é possível verificar que também aí houve um aumento do número de suicídios antes e durante de períodos em que a taxa de desemprego também subiu. Os dados também coincidem com outros estudos históricos que mostram o aumento do número de suicídios associado a indícios de início de crises financeiras, como é a instabilidade do setor bancário, que resulta invariavelmente no aumento do desemprego.

Os investigadores observaram também que foi nos países que enfrentam mais dificuldades com a crise financeira, como Grécia ou Irlanda, que se verificou um crescimento mais acentuado da taxa de suicídios. A Grécia registou uns chocantes 17% de aumento, enquanto na Irlanda subiu 13%.

Os estudiosos que realizaram esta investigação propõem que a solução para impedir este ascendente do número de suicídios é o investimento em sistemas de apoio social e a alteração de políticas económicas de forma a criar mais postos de trabalho. Os investigadores dão o exemplo da Áustria, um país com um estado social forte, e que foi o único país onde não se verificou este aumento do número de suicídios.

Em Portugal, é “um problema de saúde pública”

Os dados mais recentes da Pordata indicam que 1.098 pessoas se suicidaram em Portugal no ano de 2010, mais 84 do que no ano anterior. No passado domingo, Fernando Leal da Costa, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, afirmou que o suicídio é um “problema de saúde pública” e uma “realidade crescente” em Portugal, que necessita de medidas prioritárias para o combater.

“Esta situação leva-nos a pensar que temos de inventar outras medidas e temos um plano nacional de prevenção de suicídio que está neste momento a ser ultimado e isso para nós é muito prioritário”, anunciou em declarações à Agência Lusa. O secretário de Estado admitiu também que esta pode ser uma consequência da crise financeira. “Em todas as circunstâncias de maior crise económica ou financeira, com o aumento do desemprego, aumento de situações de maior dificuldade social, individual e familiar, é possível e imaginável que isso aconteça”, disse Leal da Costa.

O psiquiatra Carlos Braz Saraiva, membro do Conselho Científico da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, diz que os motivos que levam alguém a pôr fim à vida são tão complexos e variados que “não é possível fazer uma associação direta entre a chegada da crise e o aumento da taxa de suicídio”. Diz, no entanto, que casos como o de Dimitris Christoulas podem ser frequentes. “Há uma perda de estatuto socio-financeiro que se junta à revolta e que leva a estas situações. São pessoas extremamente deprimidas que se sentem revoltadas, mais do que com a sua condição financeira, com o mundo que as rodeia”, explica Braz Saraiva. O psiquiatra lembra ainda que o suicídio público é uma forma de protesto “chocante”, mas não inédita. “Pode muitas vezes ser encarado como uma questão de honra. Na Ásia, há um sem-número de casos de emulações públicas na luta por uma causa”, refere.