O Caminhos Prá Cultura esteve ontem, segunda-feira, no Porto. A iniciativa do Bloco de Esquerda (BE), que percorre várias cidades do país, contou com a presença da deputada Catarina Martins, que reuniu com as direções de cinco das mais importantes entidades culturais do Porto: Escola Artística Soares dos Reis, Teatro Nacional São João, Seiva Trupe, Teatro do Bolhão e Festival de Curtas de Vila do Conde. O dia encerrou com uma sessão pública na Fábrica da Rua da Alegria, que serviu como balanço para os desenvolvimentos alcançados durante o dia.

Em declarações ao JPN, Catarina Martins explica que o BE está muito preocupado com o desinvestimento público nas artes. “Com o Orçamento de Estado para 2012, estamos a assistir a um corte muito acentuado no financiamento público da cultura, especialmente à criação artística”, diz. Por isso, o Caminhos Pr’á Cultura serve para, por um lado, fazer “um levantamento da situação em todo o país” e, por outro, “estudar aquilo que podem ser as medidas e as propostas concretas para não deixar que a criação artística em Portugal morra”.

Norte enfrenta cortes na ordem dos 47%

O norte de Portugal apresenta números preocupantes no que toca aos apoios à cultura. Dados da Direção-Geral das Artes, referentes aos cortes anuais, pontuais, bienais e quadrienais na região norte, mostram que arquitetura, artes digitais, design e fotografia ficaram ou continuam sem apoios do Estado. Várias áreas viram grandes reduções nos apoios, como as artes plásticas (redução de 38%), a dança (corte de 50%), a ,música (cerca de 50%) e o teatro (47%). Em termos globais, a região norte assistiu a um corte de 47,29% em relação ao investimento público na cultura.

Segundo Catarina Martins, a região norte é uma das mais afetadas pelo corte do financiamento público à cultura. “Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012 tem atenuado os cortes e dado algum espaço de manobra à atividade artística”, salienta. No entanto, Catarina Martins garante que, no próximo ano, os problemas vão aumentar, a menos que existam políticas com impacto imediato.

Em relação à Escola Artística Soares dos Reis, Catarina Martins reitera especial preocupação com a situação do ensino artístico. “Estão a ser previstas muitas alterações, mas estão a ser deixadas de parte as especificidades do ensino artístico, que é um dos que melhores resultados tem no país”, diz. Para a deputada, “devia estar a ser estudado aquilo que tem de bom o ensino artístico para poder estender essas boas ideias a outros tipos de ensino”.

O Teatro Nacional S. João também se encontra numa situação “preocupante”. Catarina Martins explica que, depois de falhada a fusão dos teatros nacionais, devido à intenção de não passar a administração do teatro para Lisboa, a ideia vai avançar na mesma com o Agrupamento Complementar de Empresas, projeto que considera “uma aberração administrativa e financeira, que não tem nada a ver com a missão dos teatros nacionais”.

A sessão aberta contou com a presença de vários agentes culturais da cidade do Porto e ficou patente a intenção de todos eles: a mobilização contra os cortes. O Caminhos Pr’á Cultura vai continuar a percorrer Portugal, estando previsto que chegue a Faro a 23 de abril.

“O que está em causa é a continuidade da criação artística profissional”, garante Catarina Martins

“Em Portugal, há uma cegueira muito grande naquilo que representa a cultura”, lamenta a deputada, referindo que é um dos países europeus que menos investe nas artes. Catarina Martins alerta para o facto de os cortes não atingirem apenas os profissionais. “É preciso que as pessoas tenham condições para aceder à cultura, pois esta está na base daquilo que é o conhecimento e acesso à qualificação da população”, refere.

“O atual governo considera que é preciso libertar as artes do Estado, o que não faz qualquer sentido. Num regime democrático, o financiamento público às artes existe para que haja condições para criar arte e usufruir dela”, afirma Catarina Martins. “Se não existe investimento do Estado, o que passamos a ter é incapacidade para a produção artística. Ficaremos limitados a ver produção artística das grandes produtoras internacionais”, diz.

“O fim do ministério da Cultura tem importância simbólica e prática”, segundo Catarina Martins. “Por exemplo, a comissão que está a reprogramar os fundos do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) tem representantes de quase todas as áreas, mas nenhum da cultura”, revela . A deputada aponta ainda a existência de fundos comunitários que “podem e devem ser canalizados para a cultura”.

Apesar de reconhecer que é necessário desenvolver modelos de apoio que tornem a cultura mais sustentável, Catarina Martins afasta a ideia de que as artes poderão viver apenas através do funcionamento do mercado ou simplesmente sustentadas pelo mecenato. Ainda assim, garante que este problema não é exclusivo de Portugal. “Em todo o mundo, a cultura funciona através do investimento público”, afirma.