Depois de uma conferência sobre as “Conversas em Família” de Marcello Caetano, onde expôs a experiência que lhe permitiu privar de perto com o último líder da ditadura portuguesa e seu padrinho, Marcelo Rebelo de Sousa falou com o JPN sobre o estado do ensino universitário, sobre a crise, o desemprego dos jovens e a discussão em torno da existência, ou não, de um novo pedido de ajuda externa por parte de Portugal.

Acerca do estado do ensino superior em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa considera que não há uma decadência mas sim uma falta de mercado, decorrente do “simples facto de haver cada vez mais qualificados e áreas muito mais variadas do que as que existiam há 10, 20 ou 30 anos” Há, no “domínio da investigação pura e aplicada, núcleos de excelência e grande qualidade por todo o ensino superior português”, aponta.

“É um momento crítico porque o país esta em dificuldades financeiras, as universidades são muito sacrificadas e vão deixar de investir durante alguns anos”, refere. Na opinião do docente, a crise coincidiu com um processo de reforma estrutural que exigiria dinheiro, porque “as fundações foram pensadas para subsistirem com dinheiro”.

“A Universidade do Porto já teve a coragem de adotar o estatuto de fundação que não foi pensado para uma universidade, foi pensado para unidades orgânicas especificas”, afirma. O professor considera que há, efetivamente, “questões complicadas relativas à gestão universitária nos próximos três ou quatro anos”, mas espera que estas “não se prolonguem por muito mais”.

Investimento jovem em tempo de crise

“É evidente que um dos fatores de competitividade é a qualificação das pessoas”, afirma Marcelo Rebelo de Sousa. Pelo facto de a qualificação necessária estar “ligada, não totalmente, mas quase exclusivamente, ao ensino superior, as restrições financeiras atrasam ou dificultam o contributo que pode ser dado pelo ensino superior ao arranque ou a uma perspetiva mais otimista de crescimento económico e social do nosso país”.

Na opinião de Rebelo de Sousa, devem encontrar-se na dificuldade da crise estímulos adicionais para soluções mais imaginativas, menos custosas, mais racionais e mais flexíveis. “É evidente que, sem a crise ou sem esta crise, seria mais fácil estimular a criatividade dos jovens, nas micro empresas, nos projetos ou nas carreiras de investigações”, afirma.

Fundo Social para Universitários

A respeito da proposta que pretende criar um fundo social para os alunos através de um aumento nas propinas aos estudantes, Marcelo Rebelo de Sousa considera que é, “obviamente, uma forma habilidosa de tentar dar a volta à falta de dinheiro do Estado e do país em geral”. Uma vez que a crise significa uma diminuição de receitas do mundo empresarial, da sociedade civil portuguesa e das parcerias internacionais, uma redução apreciável da parte dos alunos e uma redução do contributo do Estado o fundo social é “um remendo de ocasião, por ocasiões sociais”, não sendo “uma solução duradoura”.

“Já que não é possível haver propinas de acordo com o nível socioeconómico do agregado do aluno, então concebeu-se esta maneira: pagam todos mais propinas e, depois, desse bolo, o dinheiro vai apenas para alguns dos mais carenciados”, reflete Marcelo Rebelo de Sousa. “Eu diria que não é o ideal. Não é uma segunda escolha, porque a segunda seriam propinas diferenciadas, é uma terceira escolha de remendo, de recurso e transitória”, acrescenta.

Emigrar?

“Não se deve estar a convidar os jovens a emigrar mas não se deve negar que se é ‘cidadão do mundo’, hoje mais do que nunca”, afirma o professor. Marcelo Rebelo de Sousa considera que “é natural que hoje, quem se forma, tenha que se preparar para trabalhar em qualquer sítio do mundo”.

No entanto, o professor salienta a necessidade de ponderação como essencial e sublinha que “cada caso é um caso”. Olhando para a pessoa em si mesmo, para a sua formação, para a sua vocação e preferência inicial, a emigração pode ou não fazer sentido, mas o professor realça que é necessário “distinguir a moda ‘Maria vai com as outras'”, que considera ser comum. “Eu não advogo a ideia da fuga para diante, atirar-se de cabeça para a emigração sem, pelo menos, alguma preparação que essa aventura requer”, explica.

A crise em Portugal e a ajuda externa

Na opinião de Marcelo Rebelo de Sousa, discutir a necessidade de um segundo pedido de ajuda externa é “perder tempo com uma questão que tem uma dose de imprevisibilidade monumental”. “Por um lado, distrai-nos do que temos que fazer hoje, porque quanto melhor fizermos maiores são as hipóteses de escaparmos a esse segundo pacote e, mesmo que ele haja, menos pesadas serão as condições”, considera.

O professor insiste que não vale a pena estar a adivinhar, num hábito “muito português”. “Ninguém sabe exatamente o que vai ser o mundo e a Europa, daqui a um mês, três meses, quanto mais daqui a um ano. A Espanha aguenta, não aguenta? A Itália aguenta, não aguenta? Como é que se sai a Grécia depois do pacote e sobretudo depois das eleições gregas?”, questiona o professor.

Marcelo Rebelo de Sousa considera que este “tipo de desporto nacional que é agora previsão sobre se há ou não pacote ou qual é o pacote e em que condições” não vale a pena e que o melhor é “tomar iniciativa e fazer o que é preciso fazer hoje, o que está nas nossas mãos”.
O segundo pedido de ajuda “é um cenário plausível, pode acontecer”.