O “burnout” é um quadro clínico, uma perturbação psicológica ou uma alteração do comportamento que tem como principal fonte um desajustamento do indivíduo ao seu trabalho. Resulta do stress crónico provocado por razões laborais, podendo, em determinado momento, haver uma mudança em algum aspeto do trabalho ou até mesmo da vida pessoal que espoleta a crise.

Cristina Queirós, professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, explica que “o burnout é equivalente ao copo de água que vai enchendo gota a gota e que, a certo momento, transborda”.

“Este fenómeno começou a ser estudado e diagnosticado em profissionais em que uma boa parte da sua tarefa implicava contacto com os outros, como profissionais de saúde,
médicos, enfermeiros, profissionais de segurança e também professores”, explica Sónia Gonçalves, investigadora do Instituto Piaget. No entanto, hoje em dia já se começa a assistir a um conjunto de investigações com outros profissionais, em parte devido às “mudanças laborais a que temos vindo a assistir”, afirma.

Fases do “Burnout”

Cristina Queirós explica que o “burnout” tem “três características clássicas que são, numa fase inicial, a exaustão emocional, depois a despersonalização, cinismo ou desumanização e, numa última fase, a falta de realização pessoal”.

Numa primeira etapa, a pessoa passa por uma fase de irritabilidade, de falta de resposta aos pedidos que chegam. Cristina Queirós explica que os “recursos emocionais e capacidade de adaptação” se esgotam.

Numa segunda fase, as pessoas tendem a pensar que o defeito é delas e, para se defenderem, tendem a tratar os outros de maneira cínica. “A maneira de o sujeito lidar com essa frustração é criar uma barreira que torna os atos mais desumanos e daí prejudica não só o sujeito mas também os cuidados e a interação com os outros, colocando em causa os serviços da instituição na qual trabalha”, explica Cristina. Já na fase de falta de realização pessoal, a pessoa afetada deixa de “ter prazer no trabalho e de se sentir eficaz”.

Para Cristina Queirós, há uma confluência final dos três aspetos. “Não tem recursos, trata os outros como objetos impessoais para se defender e não tem prazer no trabalho. Aí, o sujeito entra num estado de ‘burnout’. Só naquele momento atingiu um ponto de viragem identificado pelo próprio ou pelos outros colegas de trabalho ou utentes do serviço”, explica a investigadora.

O problema por quem já o viveu

Elsa Cruz, 40 anos, era chefe de receção num hotel da cidade do Porto quando lhe foi diagnosticado o síndrome de “burnout”. “A partir do momento em que a minha vida e as 24 horas do meu dia se resumiam àquele espaço onde eu passava 17, 18 horas, a relação com os meus colegas de trabalho tornou-se muito complicada”, explica. Foi a partir deste momento que Elsa sentiu que algo estava mal.

“A minha exaustão física e mental era de tal forma que só pensava em dormir. A minha vida familiar resumia-se a a chegar a casa, comer qualquer coisa e ir para a cama”, salienta. Elsa reitera que a vida social saiu muito prejudicada, afirmando mesmo que “aquele período de tempo aniquilou completamente qualquer tipo de relação saudável” que pudesse ter em com familiares ou com amigos.

Porém, o facto de ter percebido uma anomalia no seu comportamento permitiu a Elsa procurar ajuda especializada quando lhe foi diagnosticado o síndrome de “burnout”. “Procurei assistência e ajuda médica e cheguei à conclusão que ou procurava ajuda e acabava com o problema ou nunca mais iria parar ao ponto de eu ficar completamente incapacitada como individuo”, explica. A ex-chefe de receção afirma mesmo que, durante algum tempo, estave realmnete incapacitada para fazer fosse o que fosse, inclusivé para “exercer as funções” para as quais foi contratada. O simples ato de ler ou conduzir era uma “aprendizagem diária”.

Relativamente à causa que espoletou o problema, Elsa refere que o “director geral causava em toda a gente um stress brutal, que quase incapacitava os funcionários de exercer as funções de uma forma plena e competente”. “Nota-se que as pessoas de uma hierarquia mais elevada podem ser diretamente responsáveis pelo bem estar de todos os trabalhadores e não tanto a empresa”, afirma.

Elsa esteve de baixa bastante tempo e voltou à vida profissional numa área diferente. Os sintomas depressivos mantiveram-se porque “depois do burnout vem a depressão profunda”. “É preciso tratar e controlar mesmo depois de dizermos ‘estou bem’. Há sempre mazelas que ficam e estados mais débeis comparativamente com alguém que nunca passou por uma situação destas”, conlcui Elsa Cruz.

Também Catarina Marques, 22 anos, teve problemas com o trabalho. Apesar de não ter recorrido a ajuda especializada, a jovem licenciada em Ciências da Comunicação, na vertente de assessoria, trabalhava como Administrativa num centro de formação. O facto de passar muitas horas sozinha e de serem poucos trabalhadores fez com que se começasse a sentir mal com o trabalho.

Catarina sentiu que o trabalho era um fardo quando começou “a desmotivar porque não via frutos” do seu trabalho “e passava muitas horas sozinha”, o que a fazia sentir deprimida. Na sua rotina diária, sentiu modificações ao nível do seu “sentido de humor” e consequentemente, na forma como se “relacionava com os outros”. “Andava sempre mal disposta, triste e carrancuda, o que fazia de mim uma pessoa antipática, característica que não faz parte da minha personalidade”, conta Catarina.

A jovem acabou por deixar o trabalho em questão devido ao modo que se sentia aliado à “consciência de que a empresa se encontrava em dificuldades económicas e que não tinham capacidade de sustentabilidade”. Apesar de falar todos os dias sobre o assunto com o “namorado, amigos próximos e pais”, Catarina afirma que era difícil esconder o quão mal se sentia até mesmo no trabalho.

Prevenir é essencial

Em termos de prevenção e de intervenção de crise, Sónia Gonçalves defende que há a necessidade de pensar nestas situações divididas em vários campos de atuação – sobre a pessoa e sobre a empresa empregadora.

Numa intervenção sobre a pessoa tem que haver uma “formação em termos de estratégia de gestão de conflitos e de stress, uma vez que o ‘burnout’ tem estado associado ao facto de a pessoa ter estado exposta a fontes de stress muito intensas e durante muito tempo, explica Sónia.

Num contexto de empresa, Sónia admite que “a intervenção focada no trabalho está ainda muito além das expetativas”. “As práticas de gestão de recursos humanos, mais transparentes, acabam por transmitir mais segurança e uma sensação de maior controlo à pessoa”, explica Sónia. “Acredito fortemente que uma política interna forte é o fator chave”, corrobora.

“O ‘burnout’ nem sequer é considerado como uma doença profissional e é mais facilmente diagnosticado como depressão”, explica Cristina Queirós. “‘Burnout’ não significa fragilidade, mas sim um problema nas características do trabalho. É algo que leva à erosão da alma do profissional e que o consome ou ‘queima pelo trabalho'”, sublinha.