Muito se tem discutido a campanha levada a cabo pelo Pingo Doce a 1 de maio, Dia do Trabalhador. As opiniões dividem-se mas certo é que a iniciativa da gigante Jerónimo Martins pôs na praça pública o debate sobre estratégias de marketing em tempos de crise.

O caso Pingo Doce

Amélia Brandão, especialista em Marketing de Comunicação, afirma que “a campanha reflete muita agressividade ao nível da comunicação de marketing e de estratégia para agarrar o cliente”. “Esta campanha representou um reposicionamento da marca. A máxima do Pingo Doce é ‘Sabe bem pagar tão pouco’. O Pingo Doce era associado a um supermercado de preço elevado e esta nova assinatura vem mostrar esse posicionamento através do preço. Sabe bem aos portugueses pagar tão pouco”, afirma.

Para a também docente universitária, “a nível de marketing operacional foi fantástico, brilhante, ninguém podia imaginar” a reação por parte dos consumidores. “Esta campanha reflete o desespero e o contexto de crise e não teria tanto sucesso se não estivéssemos neste contexto”, afirma.

No dia 1 de maio, o Pingo Doce levou a cabo uma promoção de vendas com objetivos a curto prazo. Se por um lado o Pingo Doce reposicionou o preço, por outro suscitou comentários nefastos, por exemplo nas redes sociais. “O facto de ser dia 1 de maio agravou a situação, não existiu sindicato que conseguisse evitar este fenómeno”, explica Amélia Brandão.

João Teixeira Lopes, sociólogo e docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, salienta que “um dos aspetos mais interessantes, e ao mesmo tempo mais preocupantes da campanha, é o grau de fúria e de desespero com que as pessoas se agarraram à situação”. “As pessoas sujeitaram-se a situações muito desagradáveis, agressões quase. Isto só pode querer dizer que as pessoas estão com dificuldades sérias”, considera Teixeira Lopes.

Na opinião do sociólogo, a empresa “não estava preparada para a confusão e para o caos” que se gerou. “Quer dizer que a empresa não olhou a meios para atingir fins e isso é muito preocupante, quer do lado do consumidor quer da empresa que promove a campanha, pois não demonstra qualquer ética”, explica.

“Se se encarar o marketing como vender um produto custe o que custar, conseguir valores sem olhar a meios, então o marketing fez um bom trabalho. Se se considerar que o marketing deve ter uma componente social, uma ética e uma responsabilidade então diria que o marketing fez um mau trabalho”, afirma Teixeira Lopes.

Aposta em campanhas promocionais

Também a gigante sueca IKEA anunciou uma campanha promocional em que mais de 300 produtos terão 50% de desconto imediato nas três lojas existentes em Portugal (Matosinhos, Loures e Alfragide). A promoção decorrerá até 13 de maio e surge na sequência da polémica do Pingo Doce. A empresa afirma que a programação comercial da empresa é anual e que nada teve a ver com o episódio desta cadeia de supermercados.

O JPN tentou falar com a Associação Portuguesa de Empresas da Distribuição, mas a entidade recusou prestar qualquer esclarecimento no que toca às campanhas de marketing das empresas que lhe são associadas. Foi apenas referido qu,e por terem estratégias de marketing distintas, não iriam ser comparadas ou comentadas.

Fidelizar clientes

A Sonae tem apostado em força em descontos, dirigindo-se diretamente aos clientes já fidelizados, através de campanhas que requerem que o cliente volte à loja após uma compra inicial. O Continente tem promoções em que 75% do valor do produto é recuperado em cartão cliente, sendo que 25% desse valor só está disponível para desconto um mês depois de ser ganho.

No entanto, a Sonae não se resume ao Continente e alarga o plano a outras insígnias. O cartão cliente Continente dá descontos ao cliente nas insígnias Book It e Wells, o que o deixa imediatamente fidelizado, ainda que nunca lá tenha feito compras. Também a Sport Zone possui descontos em cartão cliente, para descontar posteriormente, e a Worten atribui talões de desconto conforme a capacidade energética do eletrodoméstico.

A Sonae aposta, assim, em garantir uma continuidade do cliente na loja, através do processo de fidelização – o mais eficiente, na opinião de Amélia Brandão. “Os programas de fidelidade permanente sem picos e sem altos e baixos são mais previsíveis.”

Contudo, “um cliente satisfeito torna o programa de fidelização mais benéfico, as pessoas não estão à espera de uma promoção para fazer compras”, explica. “A Sonae vai tentar reagir e para as famílias é bem vindo, em cenário de crise”, conclui.

O consumidor

O sociólogo Teixeira Lopes considera que, “embora as promoções sejam sempre catalisadores de um comportamento de consumo compulsivo, criam uma espécie de agitação e frenesim social direcionado para o consumo”.

Assim, o docente salienta que “os comportamentos humanos em situação de carência são imprevisíveis e podem chegar a níveis de degradação muito fortes”. “Pode haver uma degradação do tecido social tão forte que valores normalmente prezados deixam de funcionar”, afirma. Teixeira Lopes deixa claro que na sua opinião, há uma missão pedagógica a cumprir por parte das entidades responsáveis pelo consumo e mesmo por parte das próprias empresas que promovem estas campanhas.

“Não é aceitável porque, assim como a caridade e a assistência não resolvem o problema da pobreza, nem o problema da carência, este tipo de campanhas pode minorar substancialmente mas não vai resolver o problema”, explica o sociólogo.

No estrangeiro

A “Black Friday” (em português, “sexta-feira negra”) é uma iniciativa dos comerciantes norte-americanos que, no dia seguinte ao Dia de Ação de Graças, adotam preços apelativos, chegando a reduzir os preços nalguns produtos em 90%. Normalmente, este dia marca o início das compras de Natal e é um verdadeiro sucesso de vendas nos Estados Unidos. As lojas começaram por abrir às 06h00, nos primórdios da iniciativa, passando depois para as 05h00, 04h00 e, no ano passado, algumas abriram mesmo à meia noite.

O termo “Black Friday” já foi adotado para iniciativas semelhantes em países como o Brasil. Em Portugal, o nome é usado para algumas iniciativas promovidas pela marca El Corte Inglés, normalmente depois do Natal. Em 2008, a marca foi mesmo alvo de uma investigação por parte da ASAE, uma vez que consideraram ilegal as promoções agressivas que foram praticadas, assim como a abertura da época de saldos dias antes do que era suposto.

Para Amélia Brandão, “a crise está a ditar qual o caminho que se vai seguir”. “Estes momentos de oportunidades pontuais começam a ter mais êxito porque as pessoas não têm dinheiro. Trata-se de sobrevivência. É um dia sobre o qual os profissionais de marketing devem refletir ao nível estratégico”, considera.