O ano desportivo de 2011/2012 ficou marcado pelas dificuldades financeiras, atrasos no pagamento de salários e outras situações estranhas, com um denominador comum: o dinheiro, ou a falta dele. Em Portugal, mais concretamente em Leiria, mas não só, esta época foi sinónimo de rescisão coletiva, jogadores que disseram à imprensa só ter tostas e atum para comer e jogos disputados com apenas 8 atletas.

A União de Leiria, clube com presença histórica no principal escalão do futebol português, acabou a temporada com recurso aos juniores para poder jogar com 11 jogadores. A três jornadas do fim, o plantel do clube do Lis, com vários meses de salários em atraso, decidiu rescindir coletivamente. Como agora acontece com a União de Leiria, a falta de condições económicas já atirou clubes como Estrela de Amadora, Farense e Salgueiros para os distritais.

Na discussão do alargamento da Liga, entretanto chumbada duas vezes pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF), muitos questionaram a legitimidade de adicionar dois clubes a uma liga em que poucos pagam a tempo e horas, em que quase nenhum clube consegue encher o estádio e onde as equipas com mais portugueses ficaram todas na segunda metade da tabela.

Em declarações ao JPN, José Pedro Sarmento, diretor do mestrado em Gestão Desportiva da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), defende que este tipo de dificuldades económicas não se cingem ao futebol e nem sequer ao desporto. “Quantas e quantas grandes empresas não foram surpreendidas pela crise?”, questiona. “Não podemos dissociar o fenómeno desportivo da realidade social em que vivemos. O que se passa no futebol não é mais do que um reflexo da sociedade”, garante o professor.

No entanto, o especialista não retira as culpas aos organismos competentes. “A FPF e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) deveriam ter tido capacidade para perceber isto e ter uma atitude mais pró-ativa, em vez da atitude reativa ou, em alguns casos, inativa”.

Os problemas estruturais do futebol português

José Pedro Sarmento aponta vários problemas estruturais no modelo do futebol português. “Fico pasmado com a dimensão do futebol dito ‘profissional’ em Portugal. Mesmo as equipas quase de bairro sentem-se obrigadas a ter atletas bem pagos no seu quadro. Este tipo de situações acabou por criar desiquilíbrios estruturais e hoje vivemos as consequências”, defende.

O especialista em Gestão Desportiva garante que este tipo de problemas se arrasta há largos anos e diz não conseguir compreender como é que se chegou a um ponto em que muitas das equipas das divisões inferiores têm plantéis repletos por estrangeiros. “Não faz sentido que Portugal tenha um campeonato mais caro do que Bélgica, Holanda ou França. É urgente mudar a nossa conceção da prática desportiva.”

“Não podemos cair neste erro outra vez. Pensamos que temos dois ou três jogadores muito bons e o melhor treinador do mundo e que então temos de ter níveis de organização desportivos e competitivos iguais a países muito mais desenvolvidos”. Para José Pedro Sarmento, apenas “um número restrito de clubes tem hoje a possibilidade de funcionar numa lógica de competição profissional”.

Investimento público, dirigismo e receitas televisivas precisam de revisão

Apesar de as soluções parecerem escassear à medida que a crise económica avança, José Pedro Sarmento acredita que existem algumas ações a ser tomadas para evitar que estes cenários se repitam. Uma delas é, segundo o professor, a intervenção do Estado. “Numa primeira etapa, dificultando as loucuras regionais, controlando melhor o dinheiro público investido no futebol. O financiamento autárquico do futebol ultrapassou todos os limites. Depois, deve impor ao movimento associativo outra lógica de funcionamento”, afirma.

José Pedro Sarmento considera ainda que deve haver uma revisão quanto ao estatuto de dirigente desportivo. “Deve haver formação e normalização daqueles que são os dirigentes. É até necessário que se implemente um código de ética no dirigismo desportivo”, refere.

O dinheiro proveniente das transmissões televisivas continua a ser a grande fonte de receitas da maior parte dos clubes. “O futebol deixou de ser um espetáculo de estádio. E para ser muito rentável, tem de receber grandes verbas da televisão”. Na opinião do professor, também é necessário alterar essa fórmula. A LPFP já avançou com um novo modelo, onde os jogos serão distribuídos em pacotes e vendidos em leilão aberto às várias operadoras.

José Pedro Sarmento realça a importância destas receitas. “Espanha consegue ter o modelo que tem devido a uma distribuição mais eficaz do dinheiro das receitas televisivas, com base nas televisões regionais. Em Portugal, há muito a fazer, nomeadamente na liberalização da transmissão dos jogos. Se mais canais puderem transmitir o jogo, mais rapidamente chega o dinheiro aos clubes”, conclui.