De entre os museus, as casas-museu são provalvemente as menos frequentes no nosso país e as com menos adesão por parte do público. No Porto são poucos estes pequenos museus que privilegiam a história e a vida das grandes personalidades naturais da cidade nortenha. No entanto, exitem dois exemplos de conservação dedicada à história de vida de duas importantes figuras da cultura portuense: Abel Salazar e Fernando de Castro.

Luísa Fernandes, diretora da casa-museu Abel Salazar, explica a importância que as casas-museu representam para a cultura do país, uma vez que simbolizam o “espírito de defesa da identidade nacional”. “Em Portugal até não há muitas casas-museu. Temos mesmo que preservar as que existem”, apela.

A vida e a obra de Abel Salazar

Abel Salazar foi um dos mais importantes cientistas da cidade do Porto. Foi também artista, ensaísta e escreveu em toda a imprensa da época em que viveu. “É um homem com uma vastidão cultural muito grande, um homem a preservar”, explica Luísa Fernandes.

A casa conta já 60 anos. Depois de um grupo de amigos do cientista se organizar para a manter de pé, a Fundação Gulbenkian comprou e restaurou a casa. Mas, depois do 25 de Abril, a casa foi entregue à Universidade do Porto. “Depois de várias gerações de amigos e admiradores”, a casa continua de pé, conta Luísa Fernandes. A diretora explica que a maioria destas casas, em Portugal, expõem as coleções ou os trabalhos de artistas e aficionados e o que distingue a casa que representa é o facto de ser direcionada ao trabalho de um cientista.

Parte da coleção exposta é da autoria de Abel Salazar, a designada exposição permanente. As obras vão desde o seu primeiro quadro de aguarelas, pintado aos 14 anos e que representa a vista da sua primeira casa na rua de Cedofeita, às coleções mais escuras e sóbrias dos seus anos mais tardios.

Além de pintar, Abel Salazar trabalhava com metal, fazia caricaturas, fazia esculturas e experimentava várias técnicas de pintura, incluindo a tinta a óleo e a a técnica da prensa. Durante anos retratou as cores vivas dos campos, das cheias paisagens urbanas e das mulheres trabalhadoras das classes mais baixas. No final da sua vida artística começou a inspirar-se nos tons mais sombrios, nos traços menos definidos e nas figuras femininas das classes mais altas.

Para chamar a atenção do público, os responsáveis pela casa, que fica em Matosinhos, organizam eventos variados, trabalhando especialmente pela comunidade escolar, dada a escassez de museus na área de Matosinhos. “Fazemos atliês na semana da cultura científica e em dias que possam estar relacionados com a figura de Abel Salazar”.

Colaboram, ainda, com a Universidade Júnior e com o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Apesar disso, a divulgação da casa-museu é feita pelo Facebook e por newsletter.

Fernando de Castro, o colecionador compulsivo

“Foi um homem que, sobretudo, se notabilizou pela coleção que fez”, conta Vera Ribeiro, responsável pela Casa Museu Fernando de Castro. Era filho de um negociante e a sua família mandou construir a casa em 1893. “Nunca casou, não teve filhos mas a grande paixão dele era o colecionismo”, além da escrita, acrescenta. Como justificação para a grande coleção que reúne, Vera Ribeiro explica que Fernando de Castro era “um homem com uma sensibilidade especial” e que se deixava influenciar pelas pessoas que o rodeavam.

“A irmã tem um papel muito importante no sentido de não deixar esquecer a figura dele”, explica Vera Ribeiro. Depois da sua morte, em 1946, e tendo os conhecidos da casa gabado a sua coleção entre a sociedade, a irmã de Fernando de Castro tenta vender a casa à Câmara Municipal do Porto, que recusou a oferta por falta de fundos. Desde então é o Museu Nacional Soares dos Reis o encarregado pela conservação e vigía da casa.

As duas grandes coleções que preenchem paredes inteiras da casa são a pintura e a escultura naturalistas e a arte sacra. Os artistas com maior representação são José Júlio da Sousa Pinto, Artur Loureiro, Marcos de Oliveira e Alberto de Sousa, além de “mestres aguarelistas”, acrescenta Vera Ribeiro. A talha dourada deixa pouco da parede original à vista, talha essa “que mandava fazer” tendo inspiração naquilo que via, explica a reponsável pelo museu. A casa apresenta, ainda, uma pequena secção dedicada às caricaturas feitas pelo próprio. Entre os caricaturados estão nomes como Guilhermina Suggia, visitante regular da casa, Abel Salazar e Duarte Leite.

Pouco ou nada se sabe sobre a sua vida pessoal, uma vez que são poucos os registos pessoais que foram guardados. Sabe-se apenas que era um homem com grandes posses e que apostava grande parte dos seus rendimentos nas coleções que hoje enchem a casa.

O museu só está aberto por marcação prévia com o Museu Soares dos Reis, pelo que as atividades se limitam às visitas guiadas. De acordo com a reponsável pela casa, a reação das pessoas varia entre a adoração e a repulsa.