A viagem de Mateus Brandão, de 29 anos, começou em setembro de 2011 e terminou este mês. No entretanto, percorreu 25 mil quilómetros, pisou três continentes e conheceu 23 países em 250 dias. Tudo com apenas uma mochila às costas. Em países como a Finlândia, a Polónia, a Turquia, o Uganda ou a Namíbia, Mateus conheceu os sudaneses, foi enganado por etíopes e passou o Natal com sul-africanos. Não deu a volta ao mundo, como queria inicialmente, mas quase.

Foi em 2009, inspirado pela Long Way Down Journey, que Mateus começou a desenhar um plano de viagem maioritariamente feita de comboio, a sua paixão. Em 2011, cansou-se de planos, criou um “projeto mais a sério” e lançou-se no desafio de ir do ponto mais norte da Europa – o Cabo Norte, na Noruega – ao ponto mais a sul de África – o Cabo Agulhas, na África do Sul. Na altura, se pudesse, o pai tinha seguido viagem com ele, já os amigos não acharam muita piada. “Têm um sentimento de proteção para comigo e por isso ficaram sempre de pé atrás”, conta Mateus. Rapidamente perceberam que não valia a pena tentar demovê-lo.

Também a namorada esteve para ir com ele, mas Mateus percebeu que “viajar sozinho permite um contacto maior com as pessoas”. “Não levei livros nem nada que acabasse por me fechar e me proteger numa espécie de bolha. Ia mesmo com vontade de conhecer muita gente”, conta. Mas a viagem acabou por não ser feita sozinho: foram muitos os que o acompanharam virtualmente, através das redes sociais e do blogue “De Cabo a Cabo”.

Uma viagem palmilhada entre culturas, realidades e filosofias opostas

Partiu com contactos feitos para os primeiros dias, sem saber o que esperar depois. Nos sete meses que durou a viagem, passou por países com um tremendo fosso social, económico, político e cultural e aproveitou cada um deles para “descobrir os prós e contras das sociedades” ou a diferença entre “uma Noruega muito civilizada e direitinha e um Cairo completamente caótico, agitado e com bastante lixo”.

Mas a façanha não saiu barata, nem mesmo com o dinheiro que juntou entre o escritório de arquitetura e o snack-bar aos fins de semana ou com os apoios que foi conseguindo. Para se orientar, estipulou gastar 20 cêntimos por cada quilómetro percorrido e foi assim que (sobre)viveu. “Há três coisas fundamentais em que temos de gastar dinheiro nas viagens: as deslocações, a alimentação e a dormida. O que eu defini foi que gastaria 5 cêntimos por quilómetro em cada uma destas categorias e outros cinco para qualquer coisa que viesse extra”, conta.

O couchsurfing foi uma das formas que levou Mateus a conhecer mais pessoas e originou algumas das suas melhores memórias. Foi assim que, na Tanzânia, “quando procurava um couchsurfer numa pequena vila”, encontrou apenas duas pessoas – e uma era portuguesa. Mas a história que o jovem arquiteto mais recorda é a da chegada à Jordânia. “Estava a acabar de sair do táxi e uma pessoa começou a falar comigo e predispôs-se a ajudar-me. Disse-lhe que estava à procura de um hotel e ele disse-me que não havia, mas que ficava em casa dele”, recorda.

Uma experiência feita de pessoas e relações

Mas o que realmente marcou Mateus foi a passagem pelo Sudão. “Tem as pessoas mais simpáticas e mais generosas que eu conheci em toda a viagem. E é interessante porque toda a gente tem uma ideia errada do país”, conta. Em contrapartida, na Etiópia, o choque foi grande. “Os etíopes são precisamente aquilo que os sudaneses não são. Apesar do país ser fantástico, nem sempre foi fácil lidar com as pessoas”, afirma.

Os imprevistos “fazem parte do processo”, por isso não houve nada que atrapalhasse a jornada do jovem de Santa Maria da Feira, mesmo que se tenha perdido em Jerusalém e a travessia do norte do Quénia tenha sido feita “a medo”. “É uma zona com lutas tribais e onde existe a possibilidade de ataque de rebeldes somalis e, por isso, foi um bocado complicado gerir as emoções”, confessa.

Apesar da jornada empolgante, apertavam as saudades de casa e da comida, principalmente quando passou o primeiro Natal fora de casa – e sem bacalhau. Valeu-lhe a companhia dos amigos sul-africanos que viajavam de bicicleta e que conheceu na Turquia e voltou a encontrar no Cairo. Agora que regressou, está já a preparar uma nova viagem de 12 semanas a pé por Portugal, a sonhar com percursos da Rússia ao Senegal e com ideias de pegar na bicicleta e rumar a Timor. Desta viagem fica a experiência, a possibilidade de um livro que está “em estudo” e a certeza de que o mundo “vale a pena”.