O desporto é uma área de paixões. Em campo, procuram-se as melhores linhas de passe, definem-se as fintas que desequilibram os adversários e nos aproximam da vitória. Quando se juntam as duas áreas – o jornalismo e o desporto -, são imensos os apaixonados, como é o caso de Bernardo Meireles.
Bernardo tem 21 anos e frequenta o 3.º ano da licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Fernando Pessoa, no Porto. Desde de pequeno que pratica desporto (futebol, natação e andebol) e, um dia, gostava de experimentar fazer relatos desportivos.
“Em certas alturas, quando o meu clube joga, chego a arrepiar-me com alguns relatos”, conta o estudante. O que mais o fascina são as metáforas criadas pelos relatadores, principalmente na rádio. “E a possibilidade de descrever o jogo a alguém que não pode ver”, acrescenta.
Um dia-a-dia exigente e desafiante
A esse fascínio dedicam-se todos os dias Bernardino Barros, Pedro Azevedo e João Ricardo Pateiro, os dois primeiros como comentador e relatador da Rádio Renascença e o último aos microfones da TSF.
Mas nem tudo é fácil. Trata-se de uma atividade que exige um grande exercício de afastamento emocional, para que os relatos sejam imparciais quando a equipa do jornalista joga. “Todos os relatadores desportivos têm clube, mas sabem passar uma informação isenta”, refere Pedro Azevedo, cujos primeiros jogos que relatou se disputavam nas cadernetas de cromos de futebol. “O relato é a arte de informar, é entretenimento, mas é, sobretudo, informação”, sublinha. À isenção, Bernardino Barros, comentador da Renascença desde 2004, alia a honestidade. “Se as pessoas estiverem a ver um jogo completamente diferente do relato, perdemos toda a credibilidade”, declara.
Quando a seleção nacional entra em campo, a imparcialidade tem de lá estar, mas a emoção transparece na entoação e os golos são narrados de forma diferente. “Aí fico mais empolgado. Um golo de Portugal é narrado de uma forma mais eufórica e, no caso de outra seleção, há apenas uma referência ao golo”, afirma João Ricardo Pateiro, da TSF, que recentemente arrecadou o prémio Artur Agostinho para Melhor Jornalista de Rádio e cujo relato de um golo no jogo disputado entre o FC Porto e o Paços de Ferreira, em outubro de 2011, foi considerado pela ESPN Brasil o melhor do ano.
Fazer ver com os ouvidos
Bernardo, e certamente mais pessoas, aprecia a capacidade dos relatadores de futebol transporem para a voz a imagem de uma modalidade que se joga rápido e que, por isso, tem de ser contada rapidamente. Para a voz chegar nas melhores condições aos ouvintes, Pateiro aconselha bebidas mornas. “Acho que o chá com mel é uma boa bebida”, concretiza. Contudo, mais do que a preparação vocal, o importante é estar documentado sobre os jogadores as equipas que se vão relatar. “É algo que me preocupa, tal como quando comecei há 25 anos”, afirma o jornalista da TSF. Bernardino Barros, que já conhece a maioria dos jogadores, procura saber “quem está de castigo e quem pode jogar”.
Dar voz ao que os ouvintes não podem ver é uma responsabilidade à qual os relatadores aliam a observação à descrição do que acontece em campo. João Ricardo Pateiro recorda que foi justamente um invisual quem lhe fez o melhor elogio profissional. “Disse-me que só com o meu relato é que conseguia ver os jogos”, conta o jornalista. Também há ouvintes que, mesmo em frente à televisão, não dispensam os relatos radiofónicos, mas “o relatador tem de fazer um trabalho para quem está a ver e para quem não está a ver”, resume Pedro Azevedo, o relatador desportivo com mais jogos realizados.
Quem deseja seguir esta profissão tem de se entregar a ela sem defesas e aprender a viver sem saber coo será o dia seguinte. Um bom suporte familiar é fundamental. “Pensa que vai chegar a uma hora, vai chegar a outra. No meu caso, são 120 viagens em 24 anos. É muito tempo longe da família”, afirma Pedro Azevedo. Por vezes, em dias menos bons, é preciso, igualmente, encontrar força de vontade para que não falte energia os relatos. “Recentemente, faleceu a minha avó e tive de trabalhar nesse dia. Foi complicado porque tive de estar ali num registo que não era o que me apetecia”, partilha João Ricardo Pateiro. “Pensei que fazer aquilo era uma forma de a homenagear”, acrescenta.
A paixão aliada à excelência
Bernardo tem consciência de que se trata de uma atividade exigente, mas não desiste. No futuro, ainda não sabe se prefere estagiar num órgão desportivo ou ingressar num mestrado. Se optar por uma formação vocacionada para o desporto, pode escolher, em Lisboa, a pós-graduação em Comunicação e Jornalismo Desportivo, pelo Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA) ou, no Porto, pelo mestrado em Comunicação e Desporto, pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP).
“Nenhum profissional chega a algum lado sem paixão por aquilo que faz”, afirma Pedro Azevedo. E este é o conselho que os três profissionais deixam a Bernardo e a todos os que partilham o mesmo sonho. Bernardino Barros acrescenta-lhe a honestidade e o profissionalismo e Pateiro fala na necessidade de excelência. “Se as pessoas acham que vão ser só médias, então devem procurar outra coisa em que achem que são muito boas”, esclarece.
E se tudo isto é fundamental para se ser jornalista, desportivo ou não, no caso específico dos relatadores, “ou se nasce, ou não se nasce”, advoga Pedro Azevedo. Resta, então, esperar que o Bernardo tenha nascido para esta atividade.