O projeto “A música portuguesa a gostar dela própria” (MPAGDP) nasceu a 16 de janeiro de 2011, com o objetivo de “gravar músicos em espaços inóspitos, mostrando a maravilhosa variedade da música portuguesa”. O mentor do projeto, Tiago Pereira, conta ao JPN que estabeleceu a meta de filmar cinco músicos por semana e, ao fim de um ano, o número de artistas gravados já ultrapassava os 365 dias que se tinham passado.

À medida que o projeto foi crescendo, juntou uma valência de organização de eventos e já gravou mais de 400 intérpretes diferentes, espalhados por todos os cantos de Portugal, do continente às ilhas.

Tiago Pereira explica que, para mostrar a vasta oferta musical do país, “o critério de escolha sempre foi não ter critério: gravar tudo sem qualquer tipo de hierarquias, tanto a velhinha de Trás-os-Montes como um cantautor da província, até ao pop star de Lisboa”. Os vários realizadores que formam a equipa “são livres de filmar a música que gostam e as bandas que querem gravar”, salienta.

Tiago, por exemplo, descarta os artistas que cantam em inglês. O realizador garante que filma todos os tipos de músicos com gosto, mas revela especial atenção pelos autores menos óbvios, numa questão que garante ser, acima de tudo, de originalidade. “Dá-me mais gozo filmar uma pessoa que tem a sua própria música, quando é totalmente autoral e está fora da indústria. Mas essa pessoa tanto pode ser o B Fachada a tocar num comboio como um velhinho alentejano em sua casa. Tento sempre fugir aos grupos que fazem o mesmo que todos os outros”, afirma.

A riqueza musical de Portugal sempre pronta a surpreender

Mas de onde surgem todos estes intérpretes escondidos pelas províncias portuguesas? O realizador explica que “antes de haver a MPAGDP, já havia o Tiago”, que sempre filmou músicos menos óbvios em sítios recônditos. “Sempre disse : o meu nome é Tiago Pereira e gravo velhinhas”, brinca. Isso permitiu ao realizador ter um grande leque de contactos, de onde surge a maior parte das propostas para filmar um certo artista.

Através das redes sociais ou do e-mail, Tiago recebe várias sugestões de pessoas que conhecem ou descobrem artistas nas suas regiões e que aconselham a filmar. Por vezes, os contactos levam a outros contactos e os acasos acabam por acontecer, com as filmagens de músicos ainda mais desconhecidos.

Tiago ilustra essas ocasiões com a história de Ana Amélia Dutra, uma açoriana de 91 anos que toca guitarra portuguesa e que resultou num dos vídeos mais vistos do MPAGDP. “Estávamos nos Açores para filmar um senhor que ia gravar viola da terra e ele perguntou se queríamos gravar uma senhora de 91 anos que tocava guitarra portuguesa. Até pensava que ele estava a falar de uma fotografia, mas a senhora era bem real e foi uma surpresa”, conta.

“Estamos sempre à espera de nos surpreender. Quanto mais vês, menor é a tua capacidade de te surpreenderes. Mas Portugal continua a ser tão rico musicalmente que a surpresa está sempre à espreita”, afirma o realizador.

O projeto está vivo, mas em stand-by

Neste momento, o projeto MPAGDP está “algo parado”, pois sempre viveu apenas do esforço pessoal da sua equipa de colaboradores, sem qualquer tipo de financiamento. O site tem sido alimentado com as imagens do novo filme de Tiago, sobre as chamarritas dos Açores, intitulado “Não me importava morrer se houvesse guitarras no céu“.

Apesar desta momentâneo quebra de produção, Tiago garante que o site sempre teve um feedback muito positivo, que continua a crescer. A página do projeto no Facebook ganha uma média de 20 seguidores por dia, num total que chega já aos 16 mil fãs. Além disso, o projeto dá nome a palco no festival Bons Sons deste ano, que vai contar com “montes de músicos diferentes, três por cada dia do festival”.

O mentor do projeto diz ainda haver uma “agenda gigante de músicos para gravar”, que fica para depois do seu novo filme sair, e uma série de outros projetos paralelos como “A música de Montemor a gostar dela própria”, onde vai gravar “a maior parte dos projetos musicais de Montemor-o-Novo”. Segundo Tiago, “o projeto continua vivo, mas está em stand-by”.

“Continua a haver um grande desconhecimento da música portuguesa que não se faz em espaços urbanos”

E agora, a música portuguesa já gosta dela própria? “É uma pergunta a que ainda não sei responder”, remata Tiago. No entanto, o realizador garante que há um caminho longo para percorrer e que ele chega até aos programas de educação musical na escola. “Se a música portuguesa gostasse dela própria, o meu filho não estava a aprender a tocar o Frére Jacques nas aulas de educação musical, mas a Tia Anica de Loulé ou o Corridinho” diz.

“Continua a haver muita coisa importada e um grande desconhecimento da música portuguesa que não se faz em espaços urbanos”, aponta Tiago. Ainda assim, considera que houve alguma evolução na música portuguesa dos últimos tempos. “Há cada vez mais música em Portugal e mais projetos cantados em português. E, finalmente, voltou-se aos projetos acústicos, como o Filho da Mãe ou o Norberto Lobo, que vivem do virtuosismo do instrumento”, realça.