Tiago Pereira conheceu as chamarritas quando estava a rodar “Sinfona Imaterial”, filme produzido para a Fundação INATEL. “Fizemos recolhas no país todo, incluindo nas ilhas. Quando fomos aos Açores gravar um grupo de chamarrita, com aquela gente toda, percebi logo que dois microfones não davam para captar tudo. Já conhecia, mas fiquei encantado e tinha de voltar para gravar aquilo da maneira correta”, conta ao JPN.

Essa intenção, aliada à disponibilidade demonstrada pelo Governo Regional dos Açores em apoiar financeiramente o projeto, acabaram por dar origem a “Não me importava morrer se houvesse guitarras no céu”, que começou a ser rodado em fevereiro deste ano. O filme tem ante-estreia marcada para o dia 7 de junho, às 20h30, na Music Box de Lisboa. Tiago Pereira espera que o filme chegue longe, sendo que está pensada a entrada no circuito internacional, nomeadamente nas comunidades lusófonas emigrantes nos EUA e América do Sul, onde “ainda hoje se dança a chamarrita”.

O título do filme é baseado numa rima que o realizador encontrou numa recolha de chamarrita em pauta, inserida num livro de Ernesto Veiga Oliveira sobre os instrumentos musicais populares dos Açores: “Quando oiço uma viola, paro e tiro o meu chapéu / Não me importava morrer se houvesse guitarras no céu”. Este é o filme com a maior duração que Tiago Pereira já realizou, estando previsto que a versão final conte com cerca de 70 minutos.

A equipa decidiu filmar durante 10 dias na ilha do Faial e outros 10 dias na ilha do Pico, ambas do grupo central do arquipélago. Tiago explica esta escolha com o facto de as chamarritas do grupo central serem as chamarritas “rápidas”, onde o tempo é mais acelerado do que nas chamarritas do grupo oriental.

O único baile espontâneo que está vivo em Portugal é tocado ao ritmo do rock and roll

A primeira coisa que chamou a atenção a Tiago Pereira na chamarrita foi exatamente o ritmo imposto pela viola da terra, que é tocada “rasgada” e não dedilhada. “Quando ouves o primeiro acorde rasgado, percebes que aquilo mexe com as pessoas e que é quase como se fosse um rock and roll da música tradicional, um rock and roll das gentes”, diz o realizador.

Na chamarrita, existem quatro papéis distintos, todos com funções diferentes mas que, naturalmente, se interligam. São eles bailadores, cantadores, tocadores e mandadores. É o mandador que desempenha o papel principal. “O mandador é fundamental pois é ele que indica os passos e os tempos que os bailadores vão dançar. Tem que ser alguém com capacidade de liderança e com capacidade de improvisação, que torne o baile mais interessante e mais rico. Se a chamarrita fosse um barco, era o mandador que estava ao leme”, explica Tiago Pereira.

Só existem três géneros coreográficos tradicionais portugueses em que os bailadores também mandam: as valsas mandadas de Grândola, o baile da meia-volta de Porto Santo e as chamarritas açorianas. E a chamarrita é o “único baile espontâneo que está vivo em Portugal, que não se limita a estar dentro dos grupos de folclore ou encerrado num caráter museológico”, esclarece Tiago.

Tiago refere que a chamarrita é bailada quer pelos jovens como pelos mais velhos, numa tradição que parece ultrapassar qualquer idade. “Bailam miúdos e velhos, tudo misturado”, garante o realizador. Por todas estas especificidades da chamarrita, classifica a experiência como única e algo marcante. “Poder assistir a isto tudo é formidável. Fazer este filme é fazer um filme sobre a celebração da vida, porque aquelas pessoas estão ali a mostrar que estão vivos com uma intensidade gigante”.

O realizador confessa andar “completamente louco com a chamarrita”. “Já faço mandos de chamarrita a dormir”, revela. O que Tiago mais admira é a maneira como aquele momento de baile une as pessoas na “celebração da vida”. “As pessoas encontram-se e há até quem apanhe barcos do Faial para o Pico para ir dançar a chamarrita ao fim de semana. De repente estás a andar, não tens nada à tua volta, e encontras 100 pessoas a dançar a chamarrita”.

O próximo projeto de Tiago deverá incidir sobre a viola campaniça do Alentejo, outro instrumento de origem portuguesa, onde o realizador pretende descobrir e explorar “os construtores, os tocadores e as novas incursões do instrumento”.