“Em Portugal, há cerca de mil novos casos de HPV por ano”, afirma Diana Ramada. A enfermeira do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, que dedicou a sua tese de mestrado, publicada em 2010, ao conhecimento dos universitários sobre o Papiloma Vírus Humano (HPV), fala numa prevalência de aproximadamente 50% nos universitários portugueses, sendo a infeção sexual transmissível mais comum.
Libânia Araújo está todas as sextas-feiras à tarde nos Serviços de Ação Social da Universidade do Porto (SASUP), onde é responsável pela consulta de ginecologia e obstetrícia. A clínica refere que, até aos 30 anos, cerca de 80% dos jovens terá HPV positivo. “Mas serão, em princípio, infeções transitórias”, assegura. Tal situação ocorre porque, na maioria dos casos, o vírus é eliminado por mecanismos do sistema imunitário. “Passado um ano, só 20% é que continua positivo e, desses 20%, apenas 1% desenvolverá cancro do colo do útero”, acrescenta.
Falta de sensibilização
A clínica trabalha junto de um grupo etário que, na sua opinião, rapidamente esquece a sensibilização, mais intensiva desde 2008, altura em que a vacina contra o colo do útero passou a ser comparticipada. “Eles podem estar sensibilizados na cabeça, mas outra coisa são os comportamentos”, afirma. “Parece que a sexualidade não tem nada a ver com a racionalidade, pois tenho aqui jovens que sabem o risco que correm por não usarem preservativos, mas continuam a não usar”, explica.
No Hospital S. João, Cândida Abreu exerce no serviço de infeciologia e contacta de perto com doenças sexualmente transmissíveis (DST). Na sua opinião, as causas das DST, em geral, e do HPV, em particular, são multifatoriais. “A ingestão de álcool, as drogas de recriação, ecstasy e todas as substâncias que interferem no sistema nervoso central”, enumera.
Alia-se a estes fatores o início cada vez mais precoce da atividade sexual e a existência de múltiplos parceiros sexuais. “Em Portugal, a idade média [de iniciação sexual] é aos 13, 14 anos e o número de parceiros sexuais tem vindo a aumentar”, refere Libânia Araújo. “Sobretudo em alturas em que se proporciona mais: férias, queima das fitas e intercâmbios”, acrescenta Cândida Abreu, do Hospital São João.
É necessário educar os afetos
No que respeita ao conhecimento sobre o vírus e o cancro do colo do útero, Diana Ramada conclui no seu estudo que os estudantes de saúde estão mais informados sobre o assunto do que os das outras áreas. Contudo, trata-se de um conhecimento insuficiente. “Como futuros profissionais de saúde, eles não vão estar capacitados para efetuarem uma prevenção efetiva da transmissão do HPV junto da população”, refere.
Neste sentido, a aposta na formação revela-se fundamental para as três profissionais de saúde. “As campanhas de formação e informação são importantes e podem ser um forte dissuasor dos comportamentos de risco, porque fazem lembrar as DST”, afirma Cândida Abreu. “Faz muita falta a educação para a saúde pelos meios corretos, como os media, os profissionais de saúde e o ensino, que nem sempre chegam à população”, reforça Diana Ramada. Já Libânia Araújo, ginecologista nos SASUP, destaca a educação dos afetos como complemento à educação sexual. “É preciso mais educação dos afetos, porque se procura na sexualidade coisas que ela não pode dar, como atenção, carinho e afeto”, afirma.
Melhor prevenir do que tratar
Em Portugal, a vacina contra o cancro do colo do útero é gratuita, desde 2008, para jovens dos 11 aos 13 anos e a sua utilização reduz em cerca de 70% a probabilidade de desenvolvimento da doença. Apesar da sua importância, Diana Ramada salienta a necessidade de rastreio ginecológico, sendo que uma vulgar citologia cervico-vaginal (Papa Nicolau) por si só não deteta a 100% uma infeção por HPV, embora forneça sinais citológicos compatíveis ou não com uma infeção por HPV. “O rastreio e as consultas de aconselhamento junto dos estudantes são importantes. Se quisermos ter um bom sistema de saúde, temos de investir muito na prevenção”, afirma. “A vacina vai ser importante a médio e longo prazo na prevenção do cancro do colo do útero, uma das neoplasias com mais mortalidade”, acrescenta Cândida Abreu.
Quanto à possibilidade da vacina deixar de ser comparticipada, Diana Ramada é peremptória: “Acho muito grave. É preferível gastar 500 euros em prevenção ou milhares de euros no tratamento do colo do útero?”, questiona. “Quanto vale uma vida? O número mínimo de vidas que se possa salvar, já vale a pena”, remata.