Os atrasos nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) têm sido fortemente condenados tanto pelos bolseiros, como pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC). Atrasos já de meio ano que têm causado prejuízos a projetos. Os bolseiros questionam-se sobre a falta de verbas e queixam-se da situação precária em que se encontram.

Projetos aceites em 2011 ainda esperam financiamento e erros burocráticos têm dificultado a vida aos investigadores. A ABIC já veio denunciar esta situação em comunicado no seu site. No texto, salientam as dificuldades com que se têm deparado alguns bolseiros. “Estes bolseiros encontram-se impedidos de desenvolver qualquer outro tipo de atividade profissional por motivos do regime de exclusividade que lhes é imposto pelo estatuto do bolseiro”, relembra a associação, sem esquecer os “atrasos significativos nos pagamentos”.

A FCT atribui as bolsas através de concursos públicos, que podem ocorrer com outras instituições. O concurso é feito de forma individual e com uma periodicidade anual para as bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. As bolsas são atribuídas por um período de três anos, mas a renovação anual é obrigatória. Esta situação não é de todo “anormal”. Todos os anos os atrasos acontecem mas, este ano, a espera foi mais longa.

Pagamentos começaram no dia 1 de junho

Segundo últimas informações, mais de metade dos bolseiros estarão ainda à espera do pagamento de prestações. Para alguns a situação começou a ser regularizada este mês. Luísa Ferreira tem como única queixa o atraso na altura de receber a sua remuneração. “A minha bolsa de doutoramento iniciou-se, oficialmente, a 1 de janeiro de 2012, tendo apenas sido efetuada a transferência do meu salário a 1 de junho. Embora a FCT tenha recebido os meus documentos em novembro/dezembro de 2011, houve um atraso de cinco meses”, explica a investigadora de Biomedicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Luísa está indignada com o facto de, mesmo sem recursos financeiros, ter tido de garantir um programa de trabalhos durante tanto tempo. “Foram meses difíceis em que nunca deixei de trabalhar, sob pena de prejudicar o meu trabalho”, explica a investigadora. “Cinco/seis meses [de atraso] podem ter demasiado peso na conclusão de um projeto”, remata. Da FCT recebeu sempre a resposta de que se tratavam de problemas burocráticos. “A situação atual dos bolseiros de doutoramento não é precária, mas sim insustentável”, garante.

Um investigador do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), da Universidade do Porto, que prefere manter o anonimato, não viu a sua situação regularizada a tempo. Depois de ter estado a desenvolver um projeto no estrangeiro e de ter de lidar com a burocracia inerente a esse tipo de processos, reparou que ainda não tinha recebido o dinheiro que lhe devia ter sido entregue no passado dia 1 de junho. Antes de regressar a Portugal, garantiu que toda a documentação tinha sido enviada a tempo e, como não obteve qualquer resposta, supôs que tudo estava regularizado.

“Liguei para a linha de apoio onde fui informado que tudo estava correto com o meu pedido de renovação, mas a FCT não conseguiu processar o meu pagamento a tempo pelo que tenho de esperar até 1 de julho, que é quando a FCT volta a fazer novos pagamentos”, explica o investigador, que está sem receber o dinheiro relativo à sua bolsa desde fevereiro deste ano.

Carlos Lima, a trabalhar num projeto no âmbito do pós-doutoramento que tirou em Química na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, também não recebeu. Como bolseiro da FCT considera o processo “relativamente fácil e acessível, com tudo a poder ser tratado comodamente através da Internet”. “Não vejo qualquer obstáculo que possa provocar atrasos e concordo com a forma como todo o processo decorre na óptica do bolseiro”, explica. Como só conseguiu enviar todos os documentos requeridos um pouco em cima da hora, esperava apenas um atraso de um mês na atribuição da bolsa. Mas apenas recebeu o contrato este mês e tem de esperar pelo pagamento no dia 1 de julho.

Mais vagas para investigadores FCT

Foi anunciado recentemente pela secretária de estado da Ciência, Leonor Parreira, que a FCT pretende abrir mais 200 a 300 vagas para investigadores no próximo ano, o que preocupa a ABIC. “Estando a FCT a iniciar um novo concurso a bolsas, a ABIC espera que haja um rigoroso levantamento dos problemas e das falhas que provocaram estes atrasos para que, no futuro, os bolseiros não sejam colocados nesta situação dramática”, avisa a associação.

“Isto leva, inevitavelmente, a que o trabalho que produzimos não seja o melhor possível, tanto por falta de motivação, como por falta de meios para nos sustentarmos”, considera Carlos Lima. O investigador acrescenta que, na possibilidade de existirem mais vagas, “a FCT deve assegurar que um maior número de bolseiros não provoca ainda mais atrasos nos pagamentos”. Luísa Ferreira fala num “sistema de ‘atirar areia para os olhos’ e preencher lacunas”. “Há centenas de post-docs à mercê de bolsas de dois, três ou cinco anos, na melhor das hipóteses. Criam-se estas bolsas para dar trabalho a alguns em vez de se criarem contratos de trabalho com os benefícios sociais mínimos”, esclarece a investigadora.

A posição da ABIC

Ana Teresa Pereira, da ABIC, diz ao JPN que os atrasos têm-se verificado em dois passos: na assinatura do contrato de bolsa (que demora entre dois e três meses) e no espaço de tempo entre a a assinatura do contrato e o pagamento da bolsa, altura em que ocorrem mais atrasos.

“Uma grande parte dos bolseiros que estava à espera recebeu no mês de junho. Agora continuam muitos na expectativa de receber no mês de julho”, esclarece. “A principal queixa neste momento tem a ver com a falta de informação por parte da FCT e com o período de tempo em que, efetivamente, receberão a sua bolsa. Foi isso que deu origem a alguns casos dramáticos”, explica a responsável da ABIC.

No concurso de 2011 foram aprovadas 2045 bolsas, sendo que, depois do fim do concurso, ainda foram cancelados 158 processos por desistência ou falta de condições de elegibilidade. Do número final de 1887, tinham sido pagos, até ao início de maio, os valores de 964 bolsas, isto segundo dados apresentados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Mas ainda é necessário considerar bolsas já aprovadas em anos anteriores. Neste momento, existem, portanto, mais de nove mil bolseiros do FCT.

Ana Teresa Pereira fala ainda no seguro social voluntário, que também tem dado origem a casos graves. Esta proteção é atribuída a voluntários (bolseiros, num número mais pequeno) que, depois de pagarem um valor todos os meses, têm de ser reembolsados pela FCT. “O que tem acontecido é que há bolseiros que há vários meses se queixam de não terem sido reembolsados e começam a acumular dívidas”, remata a responsável. A direção da ABIC salienta que, nestas condições, se torna difícil para muitas pessoas suportar o défice financeiro, o que tem dado origem a desistências.