Museu do Resgate. Podia ser um lugar para guardar memórias deste tempo de crise, em que vivemos submetidos aos ditames dessa troika que, dizem, nos resgatou da bancarrota. Mas não foi nisso que Daniel Brandão pensou quando propôs ao Projeto Manobras, no Porto, a criação, na Internet, de um espaço com tal nome.

No Facebook e, brevemente, num canal próprio no YouTube, o que está a nascer é um museu vivo do quotidiano do centro histórico do Porto. Feito por quem tiver um vídeo, por curto que seja, para partilhar.

O arranque aconteceu no sábado, durante um mercado organizado pelo Manobras. Primeiro dia, vinte vídeos, a maioria sobre objetos estranhos ali à venda, como pedido aos participantes. “Nada mau”, assume este designer que quer transformar o seu projeto de doutoramento em algo que perdure para lá do Manobras e do seu próprio percurso académico, que corre na Faculdade de Engenharia do Porto, no âmbito da parceria nacional com a Universidade de Austin, Texas, sob a orientação de Heitor Alvelos.

Daniel está a doutorar-se na área dos media digitais e estuda a participação das pessoas nas redes sociais. Aqui, dá-se o caso não muito habitual de ser ele o instigador do seu próprio objeto de estudo. Quando entregam um filme, os participantes no Museu do Resgate respondem a um questionário que o ajudará a perceber porque aderem a este tipo de iniciativas, que tipo de conteúdos partilham, entre outros aspetos.

A iniciativa está numa fase muito inicial, ainda de divulgação, mas já tem um pequeno espólio para mostrar. Algum do material obtido nesta primeira incursão, que atraiu quatro pessoas, foi até captado por uma criança de sete anos e, durante esta semana, deve já ser partilhado num canal a criar no YouTube, onde ficarão alojados.

No sábado, os potenciais participantes vão ser desafiados a filmarem o São João. Daniel, que ao longo dos próximos tempos vai instigar a realização de outras “rusgas” temáticas, espera múltiplas visões, mais ou menos locais ou mais cosmopolitas, desta que é a grande festa da cidade do Porto.

Criar narrativas

Para além dos vídeos em bruto, realizados por gente mais, menos ou nada profissional, com qualquer que seja o meio disponível, e cedidos ao Museu do Resgate, numa próxima fase vão ser organizados concursos premiando trabalhos mais elaborados, tendo por base o material captado. “Vamos tentar fomentar a discussão, criar narrativas a partir destes vídeos e organizar festivais com gente do Porto, convidando-os a realizar documentários”, explicou ao P3.

O resultado de tudo isto será, espera-se, um projeto colaborativo, que a Câmara Municipal do Porto está, explica Daniel Brandão, interessada “em agarrar”. O autor considera que não serão necessários grandes recursos para o manter a funcionar, tendo em conta que ele viverá, essencialmente, da iniciativa dos cidadãos.

Para já, os participantes recebem em troca um pin por cada vídeo que entregam e ganham a satisfação de estarem a resgatar do esquecimento, pedaços de vida que, habitualmente, se esfumam no passar dos dias nas ruas estreitas da cidade antiga.