“Sempre quis ter uma livraria, achava que era quando fosse velhinha e estivesse reformada, mas resolvi antecipar esse sonho”, conta Adélia Carvalho, sentada num dos dois pufes vermelhos, um dos poucos objetos que preenchem o chão da ampla livraria infantil. Esse sonho, que também integra um galeria de arte, veio a concretizar-se em 2010, cerca de seis anos depois da educadora de infância dar por terminada a profissão. “A educação infantil está muito ligada à literatura, porque não temos manuais escolares e temos de recorrer muito às histórias e ao imaginário”, refere. Encontrou o espaço perfeito na rua Miguel Bombarda, no Porto, e chamou-lhe Papa-Livros.

Habituada a escrever e a lidar com os mais pequenos, além da livraria, o desejo era ter uma editora sua. Aliou igualmente os textos à ilustração e embarcou nesta aventura com Marta Madureira, que conhecera no lançamento de um livro e que, mais tarde, viria também a ilustrar os seus “Livro dos Medos” e “Matilde Rosa Araújo – Um olhar de Menina”. Depois disso, Adélia desafiou-a: “‘Por que não abrirmos uma editora? Eu já tenho o espaço, tu tens a ilustração e eu os textos, podíamos experimentar'”, recorda.

Uma experiência que começou por encontrar um nome. Decidiram lançar um concurso online e, como as propostas eram muitas, selecionaram três que puseram, de novo, a votos. “E a Marta escreveu: ‘Tcharan! E os finalistas são..’ e o Valter Hugo Mãe, o padrinho da editora, disse que era uma pena que o melhor nome estivesse mesmo à nossa frente e nós não víssemos”, conta Adélia. E, assim, encontraram o nome vencedor, que fica no ouvido e pode ser lido em qualquer língua. “Ainda dá para fazer brincadeiras como: ‘Tcharan, mais um livro!'”, exemplifica.

Para Adélia, o que diferencia o projeto é serem persistentes, conhecerem bem o público infantil e não se perderem noutras propostas de edição. “Eles querem livros com ritmo, apelo à imaginação, disparate. Não querem pedagogia, nem textos educativos”, afirma. A identidade gráfica e literária revela-se igualmente importante, embora aceitem novos autores e ilustradores, desde que se enquadrem no conceito da editora. “Não estamos agarrados a mim e à Marta e não nos podemos fechar, o que não quer dizer que, daqui a uns anos, a maioria dos livros não sejam nossos, porque há essa vontade de criar uma identidade própria”, esclarece.

Iniciativas inovadoras

Na livraria, organizam-se várias iniciativas vocacionadas para o público infantojuvenil, como a Hora do Conto, em que as crianças podem mergulhar no universo criativo que as histórias da Tcharan sugerem. “Quando contava a história “Mocho Comi“, estava uma menina na primeira fila quase a chorar, de tão envolvida na história e, no final, quando o mocho deu a volta à situação, ficou tão contente como se ela própria tivesse vencido”, recorda Adélia. “Eles vivem os papéis e as histórias ajudam-nos a vencer dificuldades”, afirma. Também se organizam visitas de estudo para vários grupos etários. “Tanto temos crianças de dois anos, como do 11.º ano de artes. Uns vêm para ouvir histórias e outros para conhecer melhor o mundo da ilustração”, acrescenta. Os lançamentos com a presença dos autores também são frequentes.

Um desses autores é Manuel António Pina, jornalista, cronista e escritor que, em 1973, escreveu “O país das pessoas de pernas para o ar” e que Marta e Adélia acharam que merecia ser editado de novo, embora o autor não seja grande apologista de reedições, porque acredita que cada livro tem o seu percurso e este, às vezes, pode não ser bem sucedido. “Nós pedimos-lhe para nos ceder o texto para nós ilustrarmos e publicarmos”, afirma. “Tivemos de ser persistentes e argumentar que era uma pena o primeiro livro dele, que é um marco na literatura infantil portuguesa, não estar publicado”, acrescenta.

Outra iniciativa original da Tcharan surgiu quando a editora se aliou à marca de porcelana Vista Alegre, a propósito do lançamento da obra “Um elefante numa loja de porcelanas“, estando, agora, o livro à venda nas lojas da marca um pouco por todo o país. “Não foi escrever para a Vista Alegre, mas uma união de duas marcas. O texto ia sair e adequava-se ao marketing da Vista Alegre”, garante Adélia Carvalho. “Quando os livros podem sair associados a uma marca, é bom”, afirma.

Tcharan além fronteiras

Além destas atividades culturais, a Tcharan aposta, igualmente, na exportação, sobretudo, desde a participação na Feira Internacional do Livro Infantil, o maior ponto de encontro entre editoras, autores e ilustradores, que ocorre todos os anos em Bolonha, em março. “Foi uma forma de chamarmos a nós outras editoras e agentes literários”, explica Adélia. Atualmente, já há negociações para vendas de direitos de publicação noutros países, como Brasil, Israel, Coreia e Colômbia.

O próprio espaço, o n.º 523 da rua Miguel Bombarda, em que a livraria se instalou, no centro do Porto, é inovador. A inovação reside na contemporaneidade presente nas vitrines interiores que fazem lembrar a arquitetura de Serralves e da Casa da Música e na parede repleta de livros, imaginada tempos antes do sonho ganhar forma. “Quis criar um conceito que refletisse a minha ligação com as crianças, porque as competências literárias delas são diferentes”, esclarece. “Elas não fazem a identificação das obras pela lombada, mas sim pelas capas, por isso, imaginei logo que a minha livraria ia ter uma parede cheia de livros”, acrescenta. A parede oposta recebe todos os meses exposições de ilustradores, cujo único requisito é terem uma obra publicada.

Abrir uma livraria numa época desconfortável do ponto de vista económico pode parecer um ato de coragem mas, embora reconheça as dificuldades, Adélia prefere pensar que “é em tempos de crise que as pessoas sentem necessidade de fugir à realidade, e isso só é possível com a literatura, com o encantamento dos textos, com uma história que não é a nossa”, afirma. O centro do Porto foi uma escolha, ao mesmo tempo, emocional e cultural, para a ex-educadora de infância, natural de Penafiel. “Eu adoro o Porto e acho que somos muito criativos, persistentes e inovadores. Em Miguel Bombarda, porque não há nenhuma rua com um rótulo tão cultural. Ou seria aqui ou na Baixa, mas a arte urbana de Miguel Bombarda fascinou-me”, justifica.

Subir ao nível dos mais pequenos

Além de editora, Adélia é também autora de livros infantis. Na sua opinião, escrever para crianças não se trata de descer ao nível delas. “Nós temos é de subir ao nível delas, que é muito elevado, e encontrar esse mundo mágico em que tudo é possível”, sublinha. Para a autora, não se pode cair num excesso de adjetivação, diminutivos ou pontos de exclamação, que mais não fazem do que infantilizar as histórias. “As crianças são pequenas e têm os ouvidos pequenos, mas ouvem bem e nós, às vezes, temos tendência para falar mais alto porque achamos que eles não ouvem como nós”, afirma. “Na escrita é a mesma coisa, não podemos estar sempre a escrever com pontos de exclamação”, acrescenta.

No futuro, as prioridades são “prosseguir com a edição de livros bonitos e de qualidade e seguir com o trabalho de exportação”, afirma Adélia. Continuar a trabalhar com Marta Madureira também faz parte dos planos para o sucesso da editora. Até setembro, vai haver uma pequena paragem e, a partir daí, deverão surgir novas obras. A próxima exposição vai ser uma coletiva de ilustradores do Porto, a propósito do bicentenário dos irmãos Grimm.