O fenómeno da toxicodepência e tráfico de estupefacientes não é novo na cidade do Porto. Este fenómeno é associado a outro: os bairros sociais que, para a generalidade da população, são encarados como locais de consumo. A atual tentativa de travar este problema nos bairros não parece estar a ser a solução.
O JPN visitou um local, na base da Ponte da Arrábida, na margem portuense, que está a ser frequentado por consumidores. Este local é conhecido elas pessoas que habitam as imediações e pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). Contudo, isto não quer dizer que quem consome naquele local seja, obrigatoriamente, habitante dos bairros do Aleixo ou da Pasteleira, por exemplo, ambos perto do local.
“Os consumidores que vão para esse local são alvo de intervenção no Aleixo, no Pinheiro Torres, na Pasteleira. Nos locais onde eles vão buscar a substância há projetos e é nesses projetos que os utentes são atendidos”, explica Isabel Ponte, do Núcleo de Apoio Técnico da Direção Regional do Norte do IDT.
“Se, por um lado, existem os residentes [toxicodependentes] do Aleixo, que são pessoas muito mais degradadas e já em fim de linha, por outro lado existem todas as outras pessoas do Grande Porto que se deslocam, diária ou semanalmente, ao Aleixo, em carros, com gasolinas partilhadas, e de Vila Nova de Gaia”, acrescenta Isabel Ponte, salientando o facto de ser essa a razão do local ser conhecido e identificado pelas equipas que trabalham no terreno.
A responsável esclarece que, como o Aleixo é um espaço de tráfico, “há muita mobilidade social de todo o Grande Porto e esses utentes vão consumir nas imediações do bairro”. O IDT verifica a existência de vários locais de maior consumo. Além deste local na base da ponte, as imediações da torre 1 do Aleixo, a marginal do rio Douro, a área junto à piscina do Fluvial, o largo António Callen e as imediações da auto-estrada são as zonas onde se verifica maior concentração de consumidores.
“A própria geografia da cidade proporciona que, nos bairros, se viva um pouco à margem da própria sociedade e, partindo desta premissa, acho que de facto a vivência nestes bairros mais problemáticos, geograficamente mais fora da cidade, proporciona uma ocultação de práticas e de maneiras de estar e de ser”, considera Isabel Ponte. “Vão criando uma forma de estar e de ser que dificulta o diálogo entre ambas as partes: entre quem quer intervir muito e quem acha que não vale a pena”, remata a responsável do IDT.
Todavia, Isabel Ponte alerta para o perigo da crise económica no “negócio da toxicodependência”. Pessoas que habitam os bairros, anteriormente com profissões ligadas à indústria e ao comércio, acabam por aplicar as práticas dos negócios que perderam por causa da recessão. “Eles continuam a ser negociantes e comerciantes, porque era isso que sabiam fazer. E, por isso, dedicam-se à droga. Mas quando digo isto não podemos generalizar a um bairro inteiro”, alerta.
A situação atual das salas de chuto
O IDT programa e planeia as suas equipas de intervenção e gabinetes de apoio com parcerias, estabelecidas através de concursos públicos. Estes concursos são lançados depois das áreas serem propriamente diagnosticadas. Neste sentido, também são lançados concursos para a construção de salas de consumo assético (vulgas salas de chuto), salas de consumo assistido.
“A estrutura responsável pelas dependências nunca poderá ter uma iniciativa desta ordem sozinha. Porque, em nenhum momento, em nenhuma das nossas outras iniciativas fomos nós que promovemos um projeto. Temos feito isto em parceria. Logo, as salas de consumo são a mesma coisa. Tem de ser feito em parceria, quer com a autarquia quer com outras entidades”, explica Isabel Ponte, acrescentando que, “neste momento, não parece que haja essa intenção por parte da sociedade civil”.
Segurança e troca de seringas
As equipas de rua tentam a todo o custo que a troca de seringas e “kits” seja levada a cabo. “A única coisa que tentamos que seja um compromisso é que realmente isto se efetue em troca. Não vamos recusar a quem não leva, mas vamos sempre trabalhar no sentido de as pessoas também trazerem o material usado. Temos este compromisso social com a comunidade envolvente”, adianta Isabel Ponte.
“É favorável essa relação de troca”, remata a responsável. Apesar disso, há os casos mais complicados de pessoas em fim de linha. “São pessoas que não conseguem. Estão incapacitadas de várias maneiras. Mas também tanto há dificuldade na troca como há na educação para o consumo de menor risco”, refere.
Isabel Ponte alerta ainda para algumas causas importantes para a sensibilização social desta temática. “Há pormenores nas práticas de consumo, em que ainda há muito trabalho a fazer. O mais importante é pensarmos que, na mesma cidade, há acessos diferentes às coisas”, remata.