“Se a cidade do Porto fosse um país, a Sé era a capital”. Não é este o lema do Ai Maria, mas quase podia ser. A frase é de Rui Sousa, um dos fotógrafos do grupo e da 10pt – Associação Artística & Cultura Lusófona. Estão sedeados na freguesia do Bonfim, numa sala com bandeirinhas de tecido, mas é na Sé que a maior parte do trabalho do Ai Maria é desenvolvido.

Miguel Pinheiro, Susana Neves, Myklahil Ceita e Rui Sousa estão, desde Março, a trabalhar histórias de mulheres do Porto. Mas nem de todas as mulheres: as “Marias” têm de ser portuguesas a viver na Sé ou lusófonas não portuguesas residentes no Porto. Até agora já foram entrevistadas cerca de trinta, a mais nova com 20 e poucos anos e a mais velha com mais de 70. O grupo optou por não incluir “ninguém muito novo”, diz Miguel, de 33 anos.

O Ai Maria são várias atividades que se complementam, todas a arrancar durante o mês de setembro integradas no Manobras do Porto: um documentário, uma exposição de rua e uma peça de teatro. “Nós fomos contactando várias ‘Marias’ e filmando um pouco o dia-a-dia delas”, explica a fotógrafa Susana, de 33 anos. Isto porque o documentário, cuja mostra ainda não está calendarizada, tenta retratar as 24 horas do dia da mulher.

A exposição de fotografias está nas ruas do Porto a partir de 24 de Setembro e a peça estreia dez dias depois, a 28. Este “teatro de intervenção urbana”, como o define Miguel, inclui vídeo, música ao vivo e performance e vai ocupar o largo da Igreja dos Grilos, na Sé, durante três dias. “Não será uma transcrição da realidade que encontrámos mas será muito baseada nela, mais do que na fantasia ou no cliché que podíamos ter sobre as mulheres da Sé ou da diáspora lusófona”, explica Miguel, o director artístico do Ai Maria que estudou Neurociência e Teatro.

Ser turista na própria cidade

O Centro Histórico do Porto acolheu os quatro jovens que, com o Ai Maria, visitaram locais desconhecidos. Foram de mochila às costas e câmaras na mão para as ruelas estreitas da Sé e para as ilhas que ladeiam as Fontainhas, passando por um centro comercial, na rua das Doze Casas, perto do Marquês, onde a comunidade africana se reúne.

Situações mais marcantes? A visita à lota de Matosinhos para filmar e fotografar uma das “Marias” a trabalhar, às quatro da manhã. “É um mercado de especulação, é como se fosse comprar tapetas a Marrocos, muito vivo”, compara Miguel. “Nós vivemos isso em algumas das nossas entrevistas porque, com a comunidade africana, tivemos algumas situações em que o Porto virou África.”

Myklahil, são-tomense de 28 anos a estudar Animação e Formação Cultural na ESAP, sentiu-se em casa numa ilha das Fontainhas, onde vive uma comunidade cabo-verdiana. “É uma parte de África dentro da cidade do Porto e são lugares que nem nos damos conta que existem.” Foi preciso ir até à Sé para encontrar uma plantação de cana de açúcar, um dos momentos mais incríveis dos passeios fotográficos que a associação promove.

Durante um desses passeios fotográficos que fizeram parte do Olha Lá, em 2001, Miguel, Susana e Myklahil conheceram Rui, de 38 anos. O que começou com um encontro por acaso numa das ruelas da Sé – retratado numa das fotografias expostas na sede da 10pt – transformou-se numa visita guiada ao Bairro que se foi repetindo ao longo do ano.

“A minha maior surpresa é vê-los entrar na Sé e serem recebidos da forma como são, quando ainda no ano passado ainda andavam lá às escuras”, diz Rui, que se dedica hoje à fotografia sem nunca esquecer a sua freguesia, aquela que seria a capital caso o Porto fosse um país.