“Em agosto, ele telefonou-me a dar a notícia da morte de um amigo nosso. Depois de o fazer, disse-me assim: ‘Olha, pelo menos, a notícia da minha morte não vou ser eu a dá-la. Mas não vai faltar muito…’. Ele afinal tinha razão… Parece que imaginava que isso ia acontecer”. É com espanto que Agostinho Santos, jornalista do “Jornal de Notícias” (JN), partilha com o JPN esta conversa que teve com Manuel António Pina, há dois meses.

O escritor, jornalista e poeta tinha 68 anos e nasceu no Sabugal, mas há muitos que vivia no Porto, onde morreu esta sexta-feira. Foi jornalista do JN durante 30 anos e detém uma vasta obra de poesia, literatura infantil, peças de teatro e crónicas. Em 2011, Manuel António Pina foi galardoado com o Prémio Camões, o mais importante da língua portuguesa.

“No meio desta tristeza muito grande, há um motivo de grande felicidade e justiça. Ainda bem que ele, em vida, recebeu a devida homenagem, nomeadamente o prémio Camões”, expressa o jornalista Joaquim Fidalgo, amigo e colega de Manuel António Pina, “nos últimos 30 anos”. “Conheci-o de bem perto e habituei-me a gostar muito dele, quer enquanto pessoa, quer enquanto escritor. É sobretudo com saudades dele que me sinto”, refere.

Pessoas, lugares e livros, tudo ficou mais pobre

Os lugares por onde Manuel António Pina passou perderam agora alguma coisa. A redação do JN é um desses sítios. “Era um homem muito suave. Evidentemente que, de vez em quando, também se irritava, mas era um homem fora de série”, confidencia Agostinho Santos.

Entrevista JPN

Em 2011, Manuel António Pina deu uma entrevista ao JPN, onde mostrou-se surpreendido com a atribuição do prémio Camões

Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, também partilhou com Manuel António Pina esse especial “habitat” que é a redação: “Na altura, ele era chefe de redação da secção de Cultura. Tinha uma boa disposição permanente e contribuía com isso para fazer da redação um lugar possível de viver, numa profissão que é difícil e desgastante”.

A forma como Manuel António Pina escrevia as suas obras é outro reconhecimento que quem o conheceu exalta. Manuel Gusmão, poeta e ensaísta, diz que o escritor em questão “é um caso muito evidente de qualidade de escrita”. “A vida literária portuguesa fica, sem dúvida, mais pobre. Ele era alguém que merecia a maior amizade e respeito”, diz ao JPN.

“Com as palavras ele era capaz de tudo. Era dos artistas mais espantosos no uso da palavra e, enquanto cronista do quotidiano, era, para mim, o mais brilhante de todos”, afirma Joaquim Fidalgo. “Como pessoa, uma das coisas mais curiosas era a capacidade que ele tinha de não se levar muito a sério, sempre com muita humildade. Ele era capaz de nos fazer sentir muito bem, durante muito tempo”, conta.

Notícia atualizada às 20h12