Chama-se “Mercado de Cedofeita” e é uma mercearia com 46 anos. Situa-se na Rua Mártires da Liberdade há 12 e pertence a Américo de Oliveira. Este homem veio de Ponte de Lima para o Porto aos 11 anos e, desde então, nunca mais parou. Dedicou-se ao comércio tradicional e à aposta na variedade de frutos e legumes frescos que, todos os dias, vai buscar ao mercado. Com uma profissão sem horário definido, Américo diz ao JPN que não compensa tanto esforço. “Trabalho 15/16 horas por dia. Não compensa, mas como uma pessoa está metida no barco, tem que o segurar. Só com este esforço é que se consegue”.

Outra das mercearias com mais história no Porto é a “Feira do Bacalhau“, na Rua Bonjardim. Criada em 1925, foi sofrendo algumas remodelações com o tempo, mas preserva ainda os traços característicos deste tipo de comércio. Joaquim Carvalho, proprietário que dá continuidade ao negócio de família, fala da flexibilidade que o comércio tem de ter para resistir às dificuldades. “Antigamente, vendíamos café, também, só que fomos modernizando o nosso comércio. Hoje em dia vendemos produtos básicos e, essencialmente, bacalhau e vinho”. O proprietário vê este tipo de comércio como inconstante e procurado sobretudo nas épocas festivas. “Na altura do Natal e da Páscoa, a afluência é maior. Mas os clientes que ficam satisfeitos nestas alturas, voltam”, diz.

Na Rua de Santa Catarina, fica a “Casa Cerdeira“. Propriedade de José Brandão, esta mercearia mantém os traços arquitetónicos pitorescos desde a sua origem, há cerca de 90 anos, e dá uso, ainda, às balanças, prateleiras e balcões de sempre. José continua o trabalho do sogro desde 1957 e conta com a ajuda do filho, António Brandão, e de dois funcionários: Faustino Reis, que lá trabalha há 36 anos, e Maria Fernanda Monteiro, há 39. Veem os clientes de antigamente diferentes dos de hoje. No entanto, preservam histórias de amizade e mantêm um atendimento personalizado e próximo que as grandes superfícies não asseguram.

Fiados

Se outrora ainda havia quem fizesse fiados, hoje em dia são raros. “Acabei com muitos por causa dos atrasos nos pagamentos. Prefiro ter a mercadoria aqui do que em casa dos clientes”, diz o proprietário do “Mercado de Cedofeita”

Os consumidores são quem manda

Entram todos os dias pelas portas destas mercearias. Já conhecem quem os atende e contam-lhes histórias suas. “Ser simpático para o cliente, para que ele volte”. É assim que Maria Fernanda Monteiro, trabalhadora na “Casa Cerdeira”, encara o desafio do seu dia-a-dia para cativar o cliente e manter o negócio. Susana Silva recorre várias vezes a mercearias, porque, “às vezes, a diferença de preço não é tão significativa”. “Às vezes, estamos a falar de cêntimos de diferença (…), e o tempo que vamos perder numa grande superfície não compensa“.

Outros há, que vão a estas mercearias pelas relações de amizade que já criaram. Assim é o caso de Augusto Teixeira, oitenta anos, cliente da “Feira do Bacalhau”, onde compra “feijão e bacalhau”. José Brandão, dono da “Casa Cerdeira”, lembra ao JPN que, “antigamente, havia empregadas que levavam as compras a casa dos clientes. Esse sistema já acabou”.
E de histórias caricatas também já reza a lenda. Joaquim Carvalho viveu algumas na pele.

Crise, a quanto obrigas

São os dias de crise que obrigam os comerciantes a tomar opções para salvaguardar o negócio. Joaquim Carvalho diz que “o negócio tem baixado, e bastante”, e justifica isso com a abertura de superfícies comerciais de grande dimensão a quem as condições de pagamento impostas são outras. “É a principal ameaça. Fazem preços exorbitantes que eu não percebo”. Américo de Oliveira concorda: “Há coisas que eu tenho e eles não. E alguns preços mais vantajosos que os deles. Só que lá há sempre mais coisas que chamam a atenção”.

Como noutros setores, os despedimentos também são uma realidade. Ao longo dos anos, Américo Teixeira viu-se forçado a dispensar quem com ele trabalhava. “Trabalhava com quatro ou cinco empregados e agora estou cá sozinho. É um bocado difícil de suportar as despesas mas vou tentar aguentar até à reforma”. Apesar das dificuldades, António Brandão considera que “a concorrência, como em todos os negócios, acaba por ser saudável porque estimula o mercado”. Quanto ao futuro? “Nada risonho. Ameaçam-nos com novos investimentos que temos de fazer, mas vamos ver o dia-a-dia. Melhores dias virão”, conclui Américo de Oliveira.