A ideia nasceu da curiosidade que Mário Barbosa, investigador do Instituto Nacional de Engenharia Biomédica (INEB) da Universidade do Porto (UP), desenvolveu pelos pequenos animais. No início, ainda leu sobre o assunto mas rapidamente começou a estudar os ouriços do mar nas bancadas do laboratório.

“Lanterna de Aristóteles”

O ouriço do mar, assim como os restantes equinodermos (como as estrelas do mar), têm um aparelho bucal muito grande, com cinco dentes de origem calcária. Este aparelho foi descrito em pormenor por Aristóteles e por isso é chamado de “lanterna de Aristóteles”.

O que lhe chamou a atenção foram os pequenos ligamentos que, internamente, prendem os cinco dentes do ouriço ao resto do corpo. Dentes esses que são capazes de corroer rocha e pertencem a uma estrutura chamada “lanterna de Aristóteles”, situada na região central do ventre dos ouriços.

Juntamente com a investigadora Maria Carnevali, da Universidade de Milão, em Itália – que já trabalhava com ouriços do mar – decidiu embarcar numa investigação precisamente para encontrar novos biomateriais que acabariam por ser úteis na regeneração de tecidos humanos.

Os ligamentos do ouriço do mar mostraram-se altamente mutáveis – em pouco tempo

A meio do caminho surgiu Ana Ribeiro, engenheira dos materiais, que se interessou pelo projeto – mesmo sem perceber patavina da biologia dos ouriços do mar – e se candidatou a uma bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Colagénio

O colagénio é uma das proteínas mais importantes do corpo humano, presente em quase todos os órgãos e tecidos do organismo. É responsável, por exemplo, pela firmeza, elasticidade e integridade das estruturas. É muito utilizado, por exemplo, na área da cirurgia plástica – mas não só.

A jovem investigadora empenhou-se no projeto e descobriu que os ligamentos do ouriço do mar são compostos por fibras de colagénio muito bem estruturadas, que cumprem a função dos músculos e são controladas pelo sistema nervoso. Estes ligamentos são ainda altamente mutáveis e podem sofrer alterações muito rápidas das suas propriedades, seja em rigidez, resistência ou viscosidade, em pouco tempo.

Assim, o objetivo desta investigação passava por tentar “compreender quais os mecanismos subjacentes à mutabilidade destes tecidos e quais as moléculas responsáveis pelo seu dinamismo”, explica Ana, em comunicado. Compreendeu que se devia à secreção de proteínas, como a tensilina, que alteram as forças de coesão entre as fibrilas de colagénio que compõem o tecido.

Investigação pode contribuir para tratamentos anti-envelhecimento

A tensilina é, no entanto, uma proteína exclusiva do ouriço, ou seja, que o organismo humano não produz. Assim, o objetivo é agora tentar imitar este sistema – em prol desta capacidade mutável – e aplicá-lo nos biomateriais baseados no colagénio.

O sucesso da investigação permitiria uma melhor adaptação e regeneração dos tecidos humanos durante a cicatrização, por exemplo, ou até mesmo a aplicação na área da cosmética, em tratamentos contra o envelhecimento cutâneo (que se caracteriza pela perda de elasticidade).

Com 31 anos, Ana é agora doutorada em Engenharia Biomédica, pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), e já conta com dois prémios no currículo por causa desta investigação: o prémio português Pulido Valente Ciência de 2012 e, desde esta terça-feira, o francês Daniel Jouvenance de 2012 para jovens investigadores, no valor de quatro mil euros. Mereceu-o, sublinha a organização, pela alta qualidade do trabalho, pela utilização da biodiversidade e pela abordagem de um modelo experimental original.

Ainda assim, Ana não soube da notícia em laboratórios nacionais nem continuará a acompanhar a descoberta. O pós-doutoramento e o maior financiamento para a ciência levou-a até São Paulo, no Brasil.