Uma barra de sabão, a escova de cerdas, água abundante e muita cantoria. Esta ainda é a receita de muitas mulheres que levam a bacia, em ombros, até ao tanque. Porque não há nada como "lavar a roupa no rio".

O Porto é, cada vez mais, uma cidade de contrastes. De rua em rua, estilos e pessoas diferentes cruzam caminhos. Nos sábados solarengos, pelas marginais do Porto e de Gaia, enquanto uns correm ao som do mp3 e vão espreitando o e-mail no iPhone, as “mulheres do norte” agarram em força bacias cheias de roupa e barras grossas de sabão. Estão perto do destino e o som é inconfundível, mas os estendais de roupa anunciam prematuramente o que ali se passa.

No tanque da Afurada, longe dos campos da “roupa branca” e perto da cidade, a cerda dura da escova desliza pelos tecidos ensaboados. A roupa encharcada depois é atirada na água e espremida contra o tanque. Enxaguada e voltada a esfregar. Um trabalho que exige tempo, paciência e força (de vontade).

Rosalina Catarino faz desta a sua rotina há 50 anos – tem 58. Com máquina ou sem máquina, lava por gosto e não tem dúvidas de que esta é a melhor opção. Não para de trabalhar para contar que ali “lava-se bem” e até acaba por ser uma forma de poupar na água.

A escova de cerdas e a barra de sabão lavam os problemas do dia-a-dia

Quase todos os dias se encontra com Maria Pereira, Fátima e Emília, que já conhece bem destas andanças. Emília Gomes é quem dá música aos dias de todas elas. Uma “amante das cantigas” que gosta de manter a tradição e ir lavar “a miudagem“. Os tempos são outros – agora nem custa tanto, e já não se lava à chuva – e por isso Emília, de 75 anos, até faz a “lida as roupa” para se distrair dos problemas do dia-a-dia.

E porque a crise não é desculpa para tudo, Emília tem a resposta pronta na ponta da língua. Maria Pereira tem 84 anos e não perde a força nos braços, e não é por falta de máquina em casa. O convívio é outra das razões que leva Maria aos tanques, e a remodelação do tanque da Afurada, em 2003, deixou Maria muito satisfeita. Agora, o lavadouro à beira-rio tem todas as condições que estas mulheres precisam – quer no verão, quer no inverno.

No Porto, não se pode dizer o mesmo. Abrigado debaixo da tabuleiro da ponte do Infante, o tanque das Fontainhas é quase um riacho, de tanta água que corre no chão sem as valetas a conseguirem vazar. O esgoto, perto, também transborda e a proteção contra os pingos da chuva e o vento, nos dias mais cinzentos, também não existe. Aqui, ainda falta muita coisa.

Roupa lavadinha com um sabão e um “rol” de água

Maria Luísa tem 43 anos e é aqui que lava a roupa de todos lá em casa, todos os dias. “Fica muito bem lavadinha, com um sabão e um “rol” de água”, afirma. Mas, mesmo que quisesse (e bem queria poder ter máquina em casa, porque “quando chove não é fácil”), não tinha outra hipótese.

Mas devido à situação clandestina, na vida de Maria Luísa e da família, este tanque tem muito mais utilidades. É aqui que enche garrafões para encher abastecer sua casa e até poder tomar banho. Mas é também este espaço que alimenta o “part-time” que ajuda a economia da família. Maria Luísa “lava para fora”, porque ainda há “muitas pessoas que preferem lavado nos tanques”, garante.

Como clientes tem as amigas e vizinhas que não têm tempo de tratar da roupa, e até pratica preços muito apetecíveis. Elisabete Rosas, do Café da Micas, vizinho do lavadouro, é um exemplo. Prefere a “roupa lavada à mão” e não troca o trabalho de Luísa pelo de nenhuma lavandaria – nem sequer pela máquina que tem em casa, que só serve para o “desenrasque”.

Fátima Cardoso é amiga de Luísa. Com 43 anos e quatro filhos que “não poupam na roupa”, é uma adepta do tanque sempre que tem algum tempo livre. Agora, no entanto, vê-se obrigada a ir mais vezes, com a máquina avariada. Mas o esforço não é grande, já que lavar a roupa no tanque, “mata o vírus“.