Com os cortes financeiros nesta época de austeridade e com a precariedade que se faz sentir nas artes, a consequência será um enfraquecimento conjunto do nível cultural, económico e de emprego?

No emprego completamente, porque as estruturas como esta (Balleteatro, que dão emprego a muita gente, estão a tentar que não haja só recibos verdes mas também contratos. Este é um pólo dinamizador em termos de emprego. Para além disso são estruturas muito abertas a jovens recém-licenciados para estagiarem, portanto são estruturas que servem não só para formação pós-licenciatura ou para estágio mas também como entidades empregadoras. Ao enfraquecerem isto, evidentemente, as estruturas vão ter de despedir pessoas e estamos a contribuir para o desemprego.

E estes cortes afetam o Balleteatro, também?

Sim, o Balleteatro tem dois tipos de financiamento: um para a escola profissional, que foi cortado o ano passado em 30% e que nos está a criar alguns problemas com algumas questões de fundo a resolver a curto prazo. E depois a parte da secretaria de estado da cultura, que cortou nas criações da companhia e no financiamento do auditório. No total, temos um orçamento cortado em 53%. Isto vai obrigar a grandes reestruturações e a uma diminuição do grupo de trabalho. Mesmo em termos de sustentabilidade, com encargos como as rendas, contas da água e luz, vai ser difícil manter as portas abertas.

O enfraquecimento estrutural e a consequente diminuição de projetos profissionais pode levar os alunos a procurar no estrangeiro uma oportunidade para a sua carreira?

Temos imensos artistas que sairam do Balleteatro, por exemplo, que terminaram a sua formação e desenvolveram novos projetos como criadores e formaram novas companhias. O tecido artístico foi, assim, tornando-se cada vez mais substancial e importante ao nível da intervenção. Por outro lado, com estas medidas, com esta insegurança, desilusão e falta de perspetiva, a tendência é para destruir tudo aquilo que foi criado. Neste caso, Portugal corre o risco de ver as pessoas mais novas irem para outras paragens e nem sequer se tornar apelativo para conseguir novos públicos.

E o futuro dos alunos?

“Nenhuma escola pode garantir o sucesso profissional de cada um dos seus formandos, isso é utópico, não é real. No Balleteatro existe uma lucidez muito grande e uma tentativa de que os alunos tenham uma experiência sempre muito regular com a prática. Assim, quando acabam os nossos cursos, os alunos estão preparados para poder entrar no mercado. E dentro desse ponto de vista temos tido casos muito bem sucedidos e estamos muito satisfeitos com a percentagem de pessoas que conseguem progredir na carreira com sucesso”.

As companhias de bailado portuguesas não são muito reconhecidas num plano internacional. Quais são as estratégias, para além do investimento, que podem ser adotadas para corrigir essas falhas?

A grande razão, para além das questões financeiras, é a atitude menos agressiva e insistente dos portugueses face ao estrangeiro. Por exemplo, se falarmos de embaixadas ou consulados franceses, percebemos que são extremamente agressivos e pertinentes no modo como conseguem divulgar e pôr a circular os seus próprios artistas. Esta atitude muito proativa, dentro dessa lógica, não se verifica com os nossos representantes espalhados pelo mundo. Provavelmente, eles queixam-se porque não têm dinheiro, mas não sei se é só dinheiro que está aqui em causa. É necessário trabalhar em redes de influências, ou seja, trabalhar para que os nossos artistas circulem pelo mundo através dos nossos representantes, uma vez que estes têm um conhecimento maior das realidades desses mesmos países. Depois tem de existir um apoio ao nível das viagens e uma criação das relações otimizadas com festivais internacionais. Enfim, deveriam trabalhar connosco ao nível destes contactos, mas não serem eles responsáveis pelas escolhas, uma vez que isso se pode tornar perverso.

No plano nacional qual é que acha que é a tendência relativamente à dança? A profissionalização ou o amadorismo?

A dança tende a tornar-se profissional, sem dúvida. Em estruturas como o Balleteatro, por exemplo, trabalha-se com esse objetivo. Mesmo a parte do serviço educativo é feita a pensar nos níveis de exigência profissionais, para que as pessoas que pretendam enveredar no mercado tenham os instrumentos necessários para prosseguirem carreira. E cada vez mais se vê pessoas interessadas em fazer destas áreas profissão. Logo, a não ser que agora com esta razia económica e financeira as estruturas comecem a ser destruídas, a tendência seria a profissionalização.

Esta tendência pode, no entanto, inverter com os cortes financeiros anunciados. A austeridade pode obrigar a dança a cair no amadorismo?

Sim, mas o problema é que não há uma passagem direta da dança profissional para a dança amadora e as coisas tendem a seguir rumos diferentes. A dança pode morrer mesmo, porque o profissional não passa a ser amador, são abordagens diferentes. Os amadores podem continuar porque são, normalmente, pessoas com uma ocupação profissional e que têm a dança ou o teatro como hobby e de alguma forma isso não vai afetar. O profissional não abandona o seu estatuto para passar a ser amador porque a dança é a profissão dele.