O “Correntes d’Escritas” prosseguiu na sexta-feira, dia 22, depois do seu primeiro dia. O primeiro debate começou pouco depois das 10h30 com o verso da autora Hélia Correia, que recebeu o prémio Casino da Póvoa. “De que armas disporemos, se não destas que estão dentro do corpo”, lançou mote à discussão.

O autor timorense, Luís Cardoso, iniciou a conversa e leu um texto poético escrito da sua autoria. Foi com a mão a bater na mesa, numa imitação do batimento cardíaco, que fechou a sua intervenção. “De onde vem a poesia? Será dos dedos, do coração, dos músculos, da língua, da alma?”, questionou Helena Vasconcelos pouco depois de começar a sua intervenção. “A poesia deve provocar a catarse”, concluiu a escritora, antes de acrescentar o desejo de “que bom seria se os fracos legisladores de agora trocassem a dose maciça de austeridade por doses maciças de poesia que nos purgassem definitivamente”.

O lado mais revolucionário

A escritora Maria Teresa Horta, que recusou receber o prémio literário D. Dinis pelas mãos do primeiro-ministro, disse que “a poesia é o lado mais revolucionário”, porque “desconcerta os homens que estão a desgovernar o país”.

“Quando publiquei o meu primeiro livro, o meu pai disse-me: colocaste uma arma no peito apontada a ti própria. Desde então, a escrita passou a ser arma de me salvar dentro do meu corpo”, disse Maria Teresa Horta, durante a sua intervenção. A escritora e jornalista falou da poesia como arma e relembrou a batalha que as mulheres travaram através do tempo para serem reconhecidas como poetisas.

Miguel Miranda terminou a primeira mesa de debate. Para o autor, existem muitas armas de que se pode servir para escrever, entre elas a ironia, a paixão e a alma. A mesa contou ainda com a participação do escritor espanhol, Jesus Del Campo, que salientou que as palavras lutam por dar forma aos “fragments”, ou seja, as memórias.

À procura daquilo que é poesia

“Só o que não se sabe é poesia” foi o verso debatido na segunda mesa de debate de sexta-feira. Moderada pelo ex-secretário da cultura, Francisco José Viegas, o debate foi aberto por Aurelino Costa. O poeta reforçou a ideia de que a criação poética é “um combate à conformidade, uma interrupção com o que já foi feito”.

Ivo Machado, para quem “a poesia existe antes de a inventarmos”, diz que “não há regras na poesia”. A liberdade é, para Ivo, uma condição primária para a criação poética. Deixa um apelo final para que “sejamos a voz inconsciente, mas fraterna, desse silêncio das coisas anónimas e que vagueiam nos desertos de si mesmos”.

Para Lauren Mendinueta, a poesia nomeia o mal mas está também a combatê-lo. Para a escritora, o poema nem “sempre sai”, apesar de ser essa a intenção. José Mário Silva marcou a sua intervenção ao dizer que “cada poema é como o big bang que, do nada, cria a matéria”.

Lançamento de livros

Entre as mesas de debates, alguns autores como Carmen Dolores, Almeia Faria, Antónia Mega Ferreira, Rubens Figueiredo, Rui Vieira e Hélder Macedo apresentaram os seus livros na Casa da Juventude.

Com uma pitada de ironia e indiretas políticas, João Luís Barreto Guimarães discordou da frase escolhida para debate. Se “só o que não se sabe é poesia e se tempo que o ministro Relvas foi passar ao governo é poesia, então esta frase é verdade”. Para João, a máxima filosófica “só sei que nada sei” só pode significar que “estes rapazes da troika não são economistas, são filósofos”.

O último escritor a falar foi Vergílio Alberto Vieira que, de forma emotiva, grita “viva a poesia, viva os cenários de palco e a esperança de melhores dias”. Vergílio alerta para o poeta não se deixar conformar com a “foice que devasta o património intelectual atualmente”. Para o escritor, a poesia é a única esperança para aquilo que se tem passado no país.

A literatura aos olhos de cada poeta

Perto das 17h30 começou a terceira e penúltima mesa do dia. A conversa andou à volta do verso “e eu já nada sei soprar sobre as palavras”. O autor norte-americano, Richard Zimler, que vive em Portugal há mais de vinte anos, contou como teve de escrever o mesmo livro em duas versões, uma mais simplificada em inglês e uma outra original, publicada na Europa latina. “Este é o drama económico que está a afetar os jovens escritores que se veem obrigados a adequar a sua escrita àquilo que vende”, diz o escritor, alertando para a pressão que o mercado exerce sobre o poeta. Zimler terminou a sua intervenção questionando se livros como “Lolita”, “Crime e Castigo” e “Moby Dick” teriam lugar no mercado literário de hoje.

Último debate do dia

Foi com o verso “Desses país arranquei todos os cravos” que o dia terminou com um último debate. Este quarto debate contou com a participação de Ignacio Martinez Pisón, Luís Patraquim, Maria do Rosário Pedreira, Nuno Camarneiro, Rui Zink e Valter Hugo Mãe.

A atriz e escritora Carmem Dolores recitou um poema da sua autoria, onde cita que “para se sentir verdadeiramente a verdade das palavras é preciso ouvir a voz”. Para a atriz, é “com as palavras que consigo viver as mais fantásticas histórias, transcendentes histórias de amor”. Hélder Macedo considera que “as palavras são sons que são escritos e podem ser codificados, o que pode ser de alguma forma aprisionamento”. Manuel Jorge Marmelo sublinhou também a importância da infância no percurso do ser humano e do escritor.