Sabia que quase todas as crianças islandesas têm acesso à Internet em casa e que os jovens começaram a usá-la com uma média de sete anos de idade? Isto é apenas umas das informações dadas por jovens no estudo [PDF] da rede “EU Kids Online” (ver caixa 1), em 33 países europeus.

Neste mesmo documento, é referido que 65% dos jovens islandeses com 15 anos já viram imagens sexuais, online ou offline. Isto tem implicações na política nacional da Islândia onde, por exemplo, os fornecedores de Internet oferecem filtros para os seus consumidores, mais direcionados a material pornográfico.

Há poucas semanas, surgiu a notícia de que a Islândia poderia mesmo banir a pornografia online, bloqueando os acessos à mesma. O argumento islandês seria evitar que as crianças tivessem contacto com estes conteúdos.

1. EU Kids Online

Rede temática que visa estimular e coordenar a investigação feita sobre o uso dos novos media pelas crianças. Com recurso a métodos qualitativos e quantitativos, pretende traçar a evolução das experiências das crianças europeias e dos seus pais no que toca à Internet, com enfoque especial nos usos, atividades, riscos e segurança.

“A possibilidade de censurar a pornografia na Islândia é uma medida governamental para procurar combater casos que, por vezes, estão associados à pornografia, embora não necessariamente, como é o caso de violência sobre crianças e mulheres”, refere Daniel Cardoso, professor na Universidade Lusófona e membro do “EU Kids Online”. No entanto, acrescenta que os estudos feitos não são uniformes e a pornografia pode não ser causa direta destes comportamentos.

Manuel Damas, sexólogo e Presidente da Direção da CASA – Centro Avançado de Sexualidades e Afectos, reconhece que a pornografia “veicula, muitas vezes, mensagens erradas, ou seja, não tem um efeito pedagógico”. Contudo, não concorda com o projeto do governo islandês, por achar uma censura no acesso à pornografia, algo “extraordinariamente perigoso em termos de democracia”.

Em termos jurídicos, Sofia de Vasconcelos Casimiro, advogada e doutorada em Direito de Autor e Novas Tecnologias de Informação, explica que a fronteira entre conteúdo ilícito e conteúdo lesivo “é delineada por cada ordem jurídica em cada momento, nomeadamente pelos órgãos legislativos de cada Estado”. Ainda assim, aponta duas dificuldades de implementação da censura na pornografia: dificuldade em assegurar um bloqueio eficaz, pela natureza descentralizada da Internet; e as dificuldades de conciliação com os direitos fundamentais dos cidadãos ocidentais (liberdade de expressão, por exemplo).

2. Liberdade de expressão em risco?

“Do meu ponto de vista, pode colocar em causa a liberdade de expressão, nomeadamente nessa vertente de acesso à informação, mas também noutras vertentes. No entanto, para que a liberdade de expressão possa derrubar eventuais medidas de controlo dos conteúdos na Internet, será necessário que:
1. seja reconhecida pelo Estado onde se procura implementar o controlo;
2. se entenda que os interesses que se procuram acautelar não justificam a restrição daquela liberdade de expressão.”

Sofia de Vasconcelos Casimiro

A possibilidade de censura em Portugal

Apesar de diferente da Islândia, segundo o estudo do “EU Kids Online”, no que diz respeito à Internet, os jovens portugueses também começam desde cedo a aceder à rede (10 anos), bem como dos maiores valores de uso excessivo (49% das crianças com mais de 11 anos). No que toca a visualizar imagens sexuais, 13% dos jovens inquiridos responderam afirmativamente.

“O papel da escola é fundamental, pois esta é o laboratório da sociedade”, defende Manuel Damas. A par disto, considera importante o papel dos pais. No entanto, o presidente da CASA acredita que a sexualidade é ainda um assunto tabu nas famílias portuguesas, e a educação sexual, nas escolas, “piorou imenso“. Com a educação sexual, podem combater-se as mensagens erradas que alguns filmes pornográficos podem transmitir. Ainda assim, não acha que tal medida possa ser implementada em Portugal, e que, caso venha a acontecer, “será um enormíssimo retrocesso”.

Daniel Cardoso concorda com Manuel Damas, já que considera que, em Portugal, “a relação entre jovens e educadores, no que toca à temática das sexualidades, é ainda assente em muitas fragilidades e silêncios”. Defende também que, apesar das escolas terem feito esforços para os jovens incentivarem a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), ainda é preciso desenvolver as competências críticas de envolvimento com os novos meios.

Tal como o presidente da CASA, Daniel Cardoso acredita na formação. Não numa formação apenas para jovens, mas também para os próprios pais, de uma forma colaborativa e aproveitando o que mais novos e mais velhos podem oferecer em conjunto. Como membro da “EU Kids Online“, também coloca a escola como um espaço privilegiado “para o desenvolvimento deste tipo de atividades”.