São 14h30 de domingo e em frente ao estádio do Padroense há uma grande mancha vermelha, sedenta de vitórias. São os adeptos do Salgueiros, que envergando cachecóis dos bons velhos tempos do salgueiral, se encaminham para um estádio que não é o seu, para apoiar uma equipa que não é a sua. “O meu clube é o Sport Comércio e Salgueiros, mas como não podemos ter futebol a nível sénior, optaram pelo Sport Clube Salgueiros 08″, diz José Gonçalves, sócio do clube há 38 anos.

Por causa das dívidas, o Sport Comércio e Salgueiros está impedido de inscrever equipas séniores. Em alternativa, foi criado o Sport Clube Salgueiros 08, que teve de começar na segunda divisão distrital: a última das competições de futebol. E apesar da nova realidade, os adeptos têm apoiado o trajeto da equipa, mas vão suspirando pelo verdadeiro Salgueiros.

Um dos adeptos que nunca deixou o cachecol do Salgueiros em casa foi Fernando Magalhães, professor universitário em part-time. Para ele, o Salgueiros faz parte da história da cidade do Porto e confunde-se com a vivência humilde dos seus antepassados. “O meu bisavô, por exemplo, era sapateiro e era adepto do Salgueiros”, explica.

O Cantinho do Salgueiros

José Gonçalves também nunca virou as costas ao clube do seu coração. Mostra-se orgulhoso pelo recente percurso, mas guarda em si uma mágoa: o Salgueiros não ter estádio próprio. “Preferia não andar na Primeira Liga mas ter o nosso complexo desportivo, o nosso cantinho. Era um dos sonhos que gostava que se realizasse”, conta.

Ter um estado próprio é uma vontade comum dos adeptos e da direção. Vítor Barros, vice-presidente do Salgueiros 08, diz que mais do que um estádio “o Salgueiros gostava de ter era um complexo desportivo que desse capacidade para o futebol de formação”.

Nesta vontade de ter um estado próprio, existe uma nostalgia escondida: a do antigo estádio Eng. Vidal Pinheiro. Do velhinho Vidal Pinheiro resta apenas uma pequena parte: alguns contentores onde funcionam escritórios do clube e uma bancada obsoleta. A ação não se passa por cima do relvado, mas sim por baixo: o futebol deu lugar ao Metro. Agora, as pessoas não correm para o estádio, mas sim para a estação de Salgueiros.

O ambiente infernal criado nas bancadas salgueiristas era algo que não passava em claro aos adversários que passavam pelo Vidal Pinheiro. Carlos Secretário foi durante 10 épocas jogador do Futebol Clube do Porto (FCP) e recorda-se das dificuldades em vencer neste campo. “O Salgueiros tinha sempre uma grande equipa com jovens que tinham acabado de sair da sua formação e o Futebol Clube do Porto sentia sempre muitas dificuldades. Sinto alguma angústia quando falo nisso”, revela.

Objetivo: Subida

Os tempos mudaram e Secretário é hoje treinador do Salgueiros 08. Depois de três subidas de divisão, o clube está agora na série C da III Divisão Nacional. Subir ainda mais é a única opção. “O Salgueiros 08 desde que nasceu tem vindo a subir de patamar e este ano não vai fugir à regra em relação a esse objetivo que é, e temos de assumir, a subida de divisão.”, diz Secretário. Pinheiro, um dos mais experientes jogadores na equipa (jogou vários anos na primeira liga) partilha a ambição do seu técnico: “O nosso objetivo é subir de divisão, estar nos primeiros lugares e é aí que queremos ficar até ao final da época”.

O projeto de subida é sustentado também num dos grandes alicerces do novo Salgueiros: a formação. Para Ricardo Pinto, um dos elementos ligados às camadas jovens, a formação tem um papel essencial, neste momento: “Basta olhar para a equipa sénior do Salgueiros e ver que temos vários atletas formados no clube, como é o caso do Pedrinho, Joel, Moreira… são vários”.

Ricardo Pinto fala também do papel social do clube. A estratégia do Salgueiros é clara: “Em primeiro lugar e antes de se formar um atleta, devemos formar um homem”. Só assim pode existir o modelo de “atleta à Salgueiros”. Mas para moldar o “atleta à Salgueiros” é fundamental transmitir a alma salgueirista aos mais jovens. Ricardo Pinto reconhece que “não é fácil”.

Muitas vezes, são os próprios pais dos jovens atletas que dizem aos filhos o que era o Salgueiros. “Os pais conhecem o Salgueiros. Neste momento, muitos dos miúdos que cá temos têm pais que são sócios do Salgueiros e já acompanham o clube há muito tempo. Os pais têm um papel fundamental na transmissão da mística do clube”, explica.

E entre viagens ao passado e ilusões do futuro, a alma salgueirista vai vivendo. Sem instalações próprias, sem estar no lugar que outrora ocupou no futebol português, mas com muita vontade, orgulho e tradição.