“A divisão artificial de um povo que sempre esteve unido é a marca deste conflito”, afirma Raquel Vaz-Pinto, investigadora e professora de Relações Internacionais da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Em entrevista ao JPN, considera que “a guerra fria não terminou”, tendo em conta o clima de tensão criado no território coreano. Para a investigadora, o “regime coreano tem algo de anacrónico, algo fora do seu tempo”.

Em comparação ao período de Guerra Fria, Byung Goo Kang, professor de Língua e Cultura Coreana na Universidade Nova de Lisboa (UNL), refere “nunca ter havido uma tensão tão elevada, excepto no caso dos mísseis de Cuba”. Ao JPN, o também assessor da Embaixada da República da Coreia ressalva que esta não é uma posição oficial, tratando-se apenas do seu ponto de vista.

Segundo o professor, “só a loucura total é que pode levar a uma guerra nuclear”. Em caso de ataque nuclear, “não só a Coreia do Sul será afetada; também os Estados Unidos da América (EUA), o Japão e a própria Coreia do Norte serão afetados”, sublinha.

História

A divisão do território da Coreia ocorreu em 1945, proveniente de um acordo entre Moscovo e Washington. Esta separação evidenciou, cada vez mais, as diferenças políticas dos regimes implantados: no norte, um Governo comunista; no sul, um Governo de direita. A 25 de junho de 1950, as forças norte-coreanas invadiram a Coreia do Sul, depois da tentativa de negociações para a reunificação provocando um estado de guerra aberta.
Depois do envolvimento da comunidade internacional, a 27 de julho de 1953, as Nações Unidas, os EUA, a Coreia do Norte e o Governo da China, assinaram o armistício que decretou o cessar-fogo imediato. A guerra terminou, mas nenhum tratado de paz foi assinado. Assim, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul têm vivido períodos de tensão seguidos de períodos de negociações e alívio político.

As reações da comunidade internacional

O conflito tem vindo a revelar as posições da comunidade internacional. Para Raquel Vaz-Pinto, o país com maior peso no que diz respeito à “influência na liderança norte-coreana, é a China”. Numa análise da relação entre os dois estados, conclui que “70% do comércio” depende do abastecimento da “economia norte-coreana”, através de petróleo. A supremacia económica permite, desta forma, que a China faça “pressão sobre a liderança norte-coreana”.

“A China tem mais a ganhar com a Coreia do Norte do que com a Coreia do Sul”, concorda o professor Kang. Salienta, no entanto, o facto de a guerra não ser favorável ao chineses pela proximidade territorial e o papel da potência na negociação do conflito. A posição é corroborada por Raquel Vaz-Pinto: “Penso que a China não quer ter de lidar com um êxodo em massa da Coreia do Norte e, sobretudo, ter de lidar, também, com os norte-americanos [caso aconteça alguma coisa que faça com que o Governo caia na Coreia do Norte]”.

Byung Goo Kang prevê que os EUA e o Japão, tradicionais aliados da Coreia do Sul, reagirão de “forma forte” face à ameaça norte coreana. Face à possibilidade de bombardeamento semelhante ao que aconteceu, a 23 de novembro, na ilha de Yenpyeong, na Coreia do Sul, o sul-coreano refere a intervenção tardia. “Agora é um pouco diferente, porque a Presidente da República, Park Geyn-hye, afirmou que, quando houver um ataque, não é necessário esperar para que os comandos militares possam intervir”.

No panorama internacional, o professor Kang destaca ainda o papel da Rússia, aliado da Coreia do Norte e a maior parte sobrante da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), uma das potências da Guerra Fria, a par dos EUA. Sergey Lavrov, Ministro das Relações Exteriores da Rússia, afirmou, numa entrevista veiculada pelo Ministério das Relações Exteriores, que não se deve culpar a Coreia do Norte “por este ou aquele passo”. “Diria que existem provocações de todas as partes”, afirmou.

“Qualquer regime totalitário ou ditatorial precisa do apoio da classe militar”

Especialistas na área de política internacional realçam que as ameaças do Governo da República Democrática Popular da Coreia são para mitificar declarações militares – afirmações corroboradas por Raquel Vaz Pinto. A professora acrescenta que, com a aproximação da data “comemorativa do nascimento do pai de um dos fundadores da Coreia do Norte [esta segunda-feira], há sempre algum belicismo”.

O aniversário é celebrado com “grandes paradas militares” e remete para o facto de a Coreia do Norte ser “um país muito poderoso” e estar “cercado de inimigos”, reação que a professora refere como “paranóia do exterior”, justificada pelo facto de haver “menos legitimidade – sobretudo do ponto de vista militar”.

Em comparação com o fundador da primeira geração, que era “um combatente e um líder militar”, a segunda geração “não tem nada deste aspeto”, afirma a investigadora. “Do ponto de vista militar, a sua legitimidade [de Kim Jong-un] é nula”, pelo que “todos estes atos que nós temos vindo a assistir são, sobretudo, para consumo interno”.

O professor Kang partilha da mesma opinião, ao afirmar que as declarações, por parte do Governo da Coreia, “são um pouco exibicionistas”, uma vez que “tenta ganhar alguma coisa com essas retóricas”. Acrescenta ainda que a ascenção do líder, por sucessão, aconteceu há cerca de um ano e quatro meses, pelo que “não teve tempo suficiente para consolidar o seu poder no regime”, e sublinha que “qualquer regime totalitário precisa do apoio da classe militar”.