Os mais desatentos poderiam afirmar, no que à contenda desportiva diz respeito, que o despique entre alemães e portugueses pendeu à escâncara a favor dos primeiros. Puro engano. A 28 de abril, Mideba, conjunto anfitrião da Challenge Cup, uma espécie de Liga Europa do calendário basquetebolístico, bateu os germânicos Goldmann Dolphins Trier por 68-51, somando o 2.º troféu europeu da sua história.

Hugo Lourenço, 34 anos, e Marco Gonçalves, 19, – ambos portugueses – foram dois dos responsáveis pelo feito, que restituiu a magnitude europeia ao desporto estremenho. A força de Mideba, avançam ambos, residiu na união, que permitiu transformar num trunfo a escassez do plantel.

Une-os a amizade de longa data, a casa que os viu despontar para a modalidade – a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) de Lisboa -, e sobretudo a vontade de aclamar o desporto de alto nível como uma condição acessível a todos. Hugo, há quase uma época a servir as cores da equipa de Badajoz, é um dos valores solenes do basquetebol em cadeira de rodas do país vizinho; Marco lançou-se num primeiro adejo fora de portas, sempre sob a alçada do eterno mentor e amigo.

“O Hugo sempre me ajudou muito, ensinou-me muito do que sei de basket e é uma pessoa extraordinária, dentro e fora de campo”. Di-lo como quem sente. Marco não espera pela demora. “O Marco é um rapaz inteligente que revê, mesmo naqueles que tecnicamente possam ter um nível mais baixo, capacidades para lhe ensinarem algo”, afiança Hugo Lourenço. “Se ele puder continuar a jogar a este nível, não consigo prever até onde pode chegar”.

O mestre enverga o 13 nas costas, o aprendiz o 12. Até aí estão próximos

A profissionalização

O factor financeiro é determinante no impulsionamento da profissionalização da modalidade. “Para além dos apoios, a condição física dos jogadores, que é proporcionada por eles poderem treinar todos os dias, torna este campeonato de elite. Estão ali jogadores que todos os dias só fazem aquilo da vida, que se podem dedicar ao desporto que gostam a 100%”, explica o jovem extremo.

“Eu já lhe disse várias vezes em tom de brincadeira que o que eu levei 10 anos para conseguir, ele fê-lo na sua primeira época”, espicaça Hugo. A jornada vitoriosa na Challenge Cup foi o título inaugural, em Espanha, na carreira do experiente poste internacional português. Por isso, desabafa: “Era ingrato eu estar há tantos anos a competir a alto nível e não ter ganho nenhum título”. E garante: “Chegar a uma competição destas… jogues um minuto, dois, fiques no banco a apoiar a tua equipa… é um ambiente fantástico. Tens o pavilhão cheio de gente a torcer por ti, com cornetas, com tambores, a gritar por Mideba… é o ambiente perfeito”, diz.

A realidade vivida no campeonato espanhol deixou o jovem português fascinado, proporcionando-lhe convívio e competição com astros do basquetebol em cadeira de rodas mundial, desde o companheiro e treinador Salvador Zavala, “que tem um lançamento espetacular”, até Lorenzo Envo, de AMFIV Vigo, ou a coqueluche britânica Terry Bywater, dos poderosíssimos campeões espanhóis CD Fundosa. Também os colegas Luis Blancas e Juan Angulo lhe captaram a atenção pelo domínio que exercem sobre a cadeira.

“Veem-nos como atletas e não como pessoas com deficiência que gostam de ir bater umas bolinhas”

Os atletas lusos são unânimes em considerar a mentalidade de nuestros hermanos como a grande força motriz da excelência do basquetebol em cadeira de rodas praticado. “As pessoas dão valor ao trabalho que fazemos, gostam de ir ver os nossos jogos… É como se fossem ver um jogo de futebol”, afirma Marco Gonçalves. “Elas veem-nos como atletas e não como pessoas com deficiência que gostam de ir bater umas bolinhas para ultrapassar algumas dificuldades”, dispara cáustico.

Em Portugal, “os problemas de mentalidade são os principais obstáculos”

Por lá, as bancadas estão sempre bem compostas pela comunidade – e imprensa – local, indelevelmente ligada aos êxitos de Mideba, num país em que a identidade regional é concomitante ao orgulho nacional, senão soberana. “Tens adeptos, pessoas que sabem que vai haver um jogo de basket adaptado e que querem ir ver; que levam a família toda, que te conhecem, que te pedem autógrafos… Estás na rua, dizes que és jogador de Mideba e és tratado de maneira fenomenal, porque a equipa é da cidade”, sublinha o recém-chegado Marco.

Portugal vive uma realidade em contraciclo com a nação espanhola. Poucos treinos, baixo número de jogos, nível competitivo embaraçoso. Explicação? A mesma. “Os problemas de mentalidade são os principais obstáculos ao crescimento do nosso basket”, adverte Hugo Lourenço. E concretiza: “Não podem continuar a jogar juntos aqueles que querem o desporto como recreação, ou terapia – que são muito importantes -, com os que querem evoluir enquanto desportistas e chegar à alta-competição”.

Na opinião de Hugo, uma das chaves passará seguramente pela reequação do modelo de campeonato, estratificando em 2 divisões as equipas, em função do foco: competitivo ou recreativo. Até lá, resta ao atleta português que deseje transitar para a alta roda seguir à risca um conselho de Marco, que bem se pode converter em mantra. “Não desistir”, por muito que se agigantem os obstáculos.