“Vou tentar não ter um ataque cardíaco, não estou habituada a falar em público, sou mais de escrever, essa é a minha forma de expressão”. Foi assim que Ana Cristina Pereira se apresentou à audiência, esta segunda-feira, em mais uma conferência de Jornalismo Especializado, no pólo de Ciências da Comunicação da UP. Um receio que contrasta com o à vontade e criatividade que coloca nas estórias das suas reportagens.

O vício pelas estórias

Ana Cristina Pereira é natural de São Vicente, Madeira, e estudou Comunicação Social na Universidade do Minho. Jornalista no Público desde 1999, dedica-se especialmente ao jornalismo de sociedade, nas temáticas de exclusão social e direitos humanos, e ao internacional, sobretudo à realidade da América latina. É também cronista no Diário de Notícias – Madeira. Viciada em estórias, Ana Cristina é autora de obras como “Meninos de Ninguém” (2009) e “Viagens Brancas” (2011). “Nas Traseiras” é o blogue que atualiza com alguma regularidade.

“Normalmente, quando tenho de falar em público, fico assim acanhada, mas depois isto passa. Portanto, não entrem em choque, não se levantem, não fujam imediatamente, porque eu prometo que isto é capaz de melhorar um bocadinho”, brincou.

Ainda meio embaraçada, Ana Cristina começou por contar a sua primeira grande lição no ramo jornalístico. Era estagiária e trocou o nome de uma freguesia de um acontecimento pela freguesia que a Lusa tinha mencionado – mas quem estava certa era ela. “Esta é a nódoa negra do meu estágio”. Aos estudantes de jornalismo deixou o conselho de, em caso de dúvidas, “confirmar sempre” e confiar em si próprios.

“O jornalismo tem a obrigação de se despir de preconceitos…”

A jornalista do Público acompanha bem de perto as estórias, e mantém um contacto direto com as suas fontes. Esse contacto passa pelas ligações regulares ao terreno, por cafés com as suas fontes e visitas aos locais dos acontecimentos, mas, principalmente, pelo acompanhamento constante dos envolvidos nos casos.

Em jeito de exemplo, contou que passou duas semanas com uma família que tinha passado por uma situação delicada: a filha tinha sido sequestrada em Caracas. Ana Cristina Pereira acompanhou o terror e o medo vivido por essas pessoas, depois de o sequestro ter ocorrido. O objetivo foi perceber como é que a família inteira viveu aquela situação e como é que aprendeu a viver depois dela.

“Fundamental para mim, em termos de trabalho de terreno, é o respeito pela dor dos outros”. Os jornalistas devem contar as suas estórias tentando evitar perturbar o sofrimento das pessoas envolvidas. “Não falar com a mãe que tem o filho morto, mas falar com a tia ou um primo, alguém próximo”.

Ana Cristina defende ainda que “o jornalismo tem a obrigação de se despir de preconceitos, de se despir de julgamentos e de ir ao encontro do outro, de o tentar perceber na sua essência”, e de o relatar ao leitor. “Há muito jornalistas, sobretudo os de televisão, que são muito donos de si mesmos e acho que nós devemos ter uma atitude mais respeitosa e menos intrusiva”, afirmou.

Contar uma estória a partir de uma história

Na opinião da jornalista, é fundamental que o jornalista tenha uma boa história e a caracterize de forma a conseguir a atenção dos leitores. “É da responsabilidade do jornalista agarrar os leitores e fazer com que se interessem por aquela história”, explicou.

Para contar uma boa história, é necessário “entrar” na realidade das personagens, de forma a atestar a veracidade dos acontecimentos. Contudo, o trabalho de Ana Cristina Pereira não passa apenas por constatar factos e escrever sobre eles. A jornalista relata o que aconteceu de uma forma narrativa e literária, de forma a “passar uma mensagem”. Na sua opinião, “se uma pessoa escreve para o seu umbigo, o objetivo não é cumprido”.

Para finalizar a conferência, a repórter do Público alertou para o facto de um jornalista não ter férias, folgas e fins-de-semana, e contou que, curiosamente, os seus melhores textos apareceram em dias de descanso. “Não se está jornalista, é-se jornalista”, concluiu.

Notícia atualizada às 16h05 de 16 de maio de 2013