Já não é possível ir ao cinema na baixa do Porto: para ver um filme é preciso ir a um shopping. Numa cidade onde as salas de cinema deram lugar a bingos, hóteis e até parques de estacionamento, o JPN foi ver como está a aguentar-se a sétima arte.

O século XX trouxe consigo a época do cinema: ver filmes era o novo espetáculo da sociedade. No Porto, a abertura de grande parte das salas de cinema deve-se graças aos investimentos feitos por famílias como a Neves&Pascaud. Apesar da exploração das suas salas ser entregue à Lusomundo, esta família distingue-se entre uma das que detinha mais salas no Porto – a Olímpia, a Águia d’Ouro, a Vale Formoso e a Júlio Dinis. Até a família Pinto da Costa investiu no “negócio dos cinemas” quando mandou construir o São João Cine, aberto em 1933.

Salas como a do Coliseu – que tinha capacidade para mais de 3 mil espectadores – e do Batalha – com lotação com capacidade para receber aproximadamente 1040 espectadores – alimentavam a cultura cinematográfica dos portuenses. Produções internacionais, como “Ben-hur” e “Lawrence da Arábia” eram projetadas nestas salas, para milhares de pessoas.

O cinema português nasceu no Porto?

A história do cinema português sempre teve uma ligação direta com a cidade do Porto. No final do século XIX, quando Aurélio da Paz Reis, comerciante portuense, realizou a primeira curta-metragem portuguesa – com o nome “Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança”. O filme não chegava a um minuto mas ficou registado na memória da cultura nacional.

As salas de cinema “estúdio” – com cerca de 400 lugares – chegaram ao Porto na década de 70. Eram mais pequenas mas que ganhavam em conforto e projetavam a 30mm e 70mm. Nesta década, Portugal atingiu o seu apogeu a nível de espetadores com uma média de 30 milhões de pessoas a ir ao cinema, por ano. Esse panorama mudou, todavia, em 2010, e a média de espetadores diminuiu para os 15 milhões.

Na altura em que o cinema começou a acompanhar os passos da tecnologia, tanto a nível de produção como projeção, a Lusomundo encontrou um obstáculo para projetar novos filmes. Mário Dorminsky, o diretor do Festival Fantasporto, conta que “tudo o que eram novidades tecnológicas praticamente não existiam nos cinemas em Portugal”. Até à década de 80, “não havia qualquer tipo de som especial ou ecrãs cuidados”, sublinha.

Em 1995, quando o GaiaShopping estreou o seu cinema com 9 salas, a Lusomundo uniu-se à Warner Theatre e começou a abandonar as salas no centro do Porto, afastando-se para as salas multiplex nas grandes superfícies comerciais.

O efeito do muliplex: do centro para os subúrbios

Não demorou muito até se provar que os cinemas multiplex eram uma ameaça e que viriam a “matar de forma radical e definitiva os cinemas na Invicta”, refere Mário Dorminsky. Em 2000, quando o último cinema no centro do Porto fechou – o Batalha – os quatro shoppings nos subúrbios da cidade já somavam quase 50 salas de cinema.

Além da vantagem de oferecer várias salas, projetar mais do que um filme e com diferentes sessões por dia, os cinemas nos shopping ofereciam também outras condições. Segundo Mário Dorminsky, foi dada ao espetador a possibilidade de escolher entre “estacionar o carro sem pagar, jantar a um preço relativamente barato, estar confortável e poder assistir a um filme com as mais recentes tecnologias ou não saber onde estacionar o carro porque não havia parques de estacionamento, andar na rua a apanhar frio e até correr o risco de se ser roubado”. “A opção começou a ser, de uma forma clara, o centro comercial”, diz.

Além disso, “as salas [no centro do Porto] deixaram de ter o conforto” que conferiam à população quando abriram, afirma Dorminsky. A inexistente manutenção dos espaços refletia-se nos “ecrãs sujos sujos, nas cadeiras rasgadas e no ambiente, que nem sempre era bom”, afirma. O mesmo diz João Paulo Lopes, projecionista e investigador na área do cinema, que se lembra que, durante a exibição do filme “Terramoto”, no cinema Vale Formoso, “algum estuque do teto caiu [devido às baixas frequências do filme], obrigando a interromper a sessão”.