Para os escritores, não há culpados na questão da Feira do Livro do Porto, mas há vítimas: eles próprios e os leitores. Sem Feira, perdeu-se o espaço de contacto entre quem gosta de escrever e quem gosta de ler o que é escrito.

A iniciativa “Não há Feira mas há escritores” quer “não deixar passar a data em branco”, explica Luís Miguel Rocha. Uma das ideias dura dois dias, 22 e 29 de junho, a partir das 18h, com 10 a 12 escritores por dia. Chama-se “Um Livro em Cinco Minutos.

O palco é a Praça da Liberdade, precisamente “o local onde acontecia a Feira”, e o ‘encontro’ com cada escritor dura cinco minutos. Durante esse tempo, “cada um fala do que quiser e do que bem entender – do próximo livro ou da não realização da feira”.

Luís, Miguel Miranda, Manuel Jorge Marmelo e Valter Hugo Mãe foram quem moldou a iniciativa, ainda à espera da divulgação do programa completo mas já com uma expectativa de “adesão em massa” por parte dos leitores. “Estão tão indignados como nós, escritores”, garante Luís Miguel Rocha.

“É uma falta de respeito” e “isto não pode voltar a acontecer”

Do leque de escritores presentes, “de vários pontos do país”, fazem parte nomes como Afonso Cruz, Inês Botelho ou Francisco José Viegas. Os que não podem estar presentes também colaboram, enviado textos e poemas. É o caso de Lídia Jorge ou Rentes de Carvalho. Mas para além de serem lidos, estes ‘trabalhos’ vão ter outro propósito: fazem parte de uma ação de protesto simbólica. Os textos vão ser presos por uma corda e pendurados nas árvores dos Aliados. É o “Acorda Porto”, porque “isto não pode voltar a acontecer”.

Luís anda atarefado com a materialização das ideias e ainda não pensou no discurso, mas os cinco minutos servirão, “provavelmente, para falar da não relização da feira”. “Sem querer colocar culpas em ninguém, quando se fala de um evento com 82 anos, ninguém pode abandonar as negociações assim e dizer: ‘Pronto, não se faz’. É uma tradição da cidade do Porto, a maior feira do livro do Norte e um encontro entre escritores e leitores”, sublinha. “Não se admite que um conjunto de decisores, por razões económicas ou políticas, não tenham chegado a acordo. É uma falta de respeito”, afirma, em entrevista ao JPN.

Manuel Jorge Marmelo nunca esteve confiante quanto à realização da Feira, “desde as primeiras notícias” e acredita que “não terá havido empenho suficiente” e aproveitamento do “pretexto da alegada falta de dinheiro”. Ainda assim, no dia da iniciativa vai deixar estas questões de parte para falar do seu último livro, “Somos Todos Um Bocado Ciganos”.

Uma questão de “há 12 anos”, por se considerar a Cultura “uma despesa”

A plateia vai ser composta, acredita Jorge. “A Feira do Livro era visitada não só por pessoas do Porto mas de toda a região e essas pessoas sentem falta da Feira do Livro. Esta iniciativa, por mais pequena que seja, está a gerar uma enorme simpatia entre as pessoas”. A página, criada ontem na rede social Facebook, já reúne cerca de 700 “gostos”.

Recorde que a Feira do Livro do Porto, que contaria este ano a 83.ª edição, não se realiza devido à falta de entendimento entre a Câmara do Porto e a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL).

Para Luís Miguel Miranda, este é só mais um exemplo da desvalorização da Cultura em Portugal. Até porque “a Feira do Livro não é algo entre editores e o que quer que seja, é um encontro entre leitores e escritores”, diz.

Para Jorge Marmelo, esta não é uma questão de agora, na cidade do Porto. “Temos, desde há 12 anos, um presidente de Câmara pouco sensível às questões da Cultura, que começou os primeiros três mandatos a desqualificar tudo aquilo que era ligado à Cultura, a considerar que as pessoas ligadas à Cultura eram subsídios-dependentes e que a Cultura era apenas uma despesa e não um investimento”, afirma. Agora, é esperar pela alternativa.