Quais são as principais áreas de atuação do INESC Porto?

Temos atuação numa grande diversidade de áreas, muitas delas com matriz ligada às tecnologias de informação, comunicação, eletrónica e automação. Todas elas orientadas para resolver problemas em grandes áreas de aplicação e negócio, como as energias, telecomunicações, sistemas multimédia, indústrias.

Em 2012 tínhamos 259 projetos abertos em simultâneo. Temos projetos de investigação mais a montante, essencialmente financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, em áreas que vão da bioengenharia à física, passando pelas fibras óticas, pelos sensores, ou redes elétricas inteligentes. Temos projetos de investigação aplicada em parceria com empresas nacionais e internacionais. E temos ainda atividades de transferência de tecnologia. em áreas nas quais não há no mercado clientes para o nosso saber, podemos lançar novas empresas que transformam as tecnologias resultantes dos nos projetos em negócios.

Que papel assume o INESC Porto no panorama do desenvolvimento científico e tecnológico em Portugal?

Nós somos apenas um entre os mais de 20 laboratórios associados reconhecidos no país… Mas aquilo que eu acho que nos distingue é que em cada área de atuação temos uma cadeia de valor integrado. Isto é, em cada área temos pessoas que desenvolvem a investigação mais fundamental, depois temos projetos em parceria com empresas e projetos de prestação de serviços e transferência de tecnologia. Portanto nós queremos, em cada área em que estamos, ser capazes de desenvolver novo conhecimento, testá-lo em empresas e depois transferi-lo para o mercado. Acho que este modelo de cadeia de valor completa é único, e assim conseguimos maximizar o valor que é transportado da investigação para a aplicação e a valorização económica.

Acha que é este o caminho para valorizar a ciência?

Há vários modelos para organizar atividades de investigação. Eu diria que se o INESC Porto estivesse na Alemanha, ou Inglaterra, ou nos Estados Unidos, o nosso modelo não seria este. Porque nesses países as empresas são capazes de vir mais a montante na cadeia de valor, têm uma capacidade de interação com as universidades e os centros de investigação mais a montante. Já o nosso tecido empresarial é mais pobre, e, por isso, temos nós de ir mais a jusante do que seria desejável. Achamos que estando em Portugal somos mais eficazes na nossa missão se formos ao encontro das necessidades das empresas.

“Faz parte da nossa missão ajudar a melhorar o tecido produtivo português!”

A internacionalização também tem sido um objetivo ou têm trabalhado mais para o nosso país?

Para além da produção de ciência de excelência internacional, faz parte da nossa missão ajudar a melhorar o tecido produtivo português. Mas obviamente que não trabalhamos exclusivamente com empresas portuguesas e temos seguido passos de internacionalização, quer na Europa, participando em projetos de investigação europeus, quer no Brasil, onde criamos um instituto com algumas universidades, num modelo semelhante ao nosso, o INESC P&D Brasil. Neste momento cerca de 40% do nosso financiamento é internacional.

Como presidente de um importante centro de investigação, qual é a sua principal preocupação neste momento?

Há duas grandes preocupações. Uma, naturalmente, é o problema da estabilidade em termos de políticas de ciência e inovação, e em termos macro-económico-financeiros. A instabilidade das políticas públicas afeta o financiamento da ciência e a instabilidade dos mercados afeta o desempenho económico das empresas portuguesas, dificultando a compra de serviços e projetos ao INESC. Esta instabilidade pode fazer com que nós tenhamos de diminuir de tamanho e perder os melhores. os melhores que vão sempre para fora do país!

A segunda preocupação é o facto de não haver em Portugal uma cultura de reconhecimento das instituições. Há o reconhecimento do “cientista genial” que recebeu um prémio, há o reconhecimento de um projeto interessante que também foi reconhecido internacionalmente, mas não o reconhecimento do papel das instituições. E a verdade é que os grandes sucessos vêm sempre de instituições (seja uma faculdade, um laboratório associado, ou um instituto de interface). Elas formam-se como organizações para fazer aquilo que uma pessoa ou um pequeno grupo individualmente não conseguem fazer, e isso não é muito reconhecido nem por parte do poder público nem por parte das empresas.

Desejos para o futuro

“Eu gostava muito que houvesse um reconhecimento da eficácia e do poder do modelo que é praticado no INESC Porto. Um modelo que tem provas dadas, e que em 30 anos de existência tem vindo a evoluir, a transformar-se e a adaptar-se. É um modelo ao serviço da Universidade e ao serviço da sociedade. O nosso objetivo é, fazendo investigação socialmente relevante e com potencial impacto económico, devolver à sociedade aquilo que ela investe em nós!”, diz José Manuel Mendonça.

Que ponto de situação faz do desenvolvimento científico em Portugal? Estamos realmente a deixar sair os melhores investigadores?

Indiscutivelmente estamos melhor que há 5 anos, muito melhor que há 10 anos e muitíssimo melhor que há 20 anos. Se virmos os indicadores de produção de ciência e mesmo de transferência de tecnologia há uma evolução muito positiva, mesmo em termos de absorção de know-how pela indústria, diretamente das universidades e centros de investigação. Em termos de indicadores científicos e de formação estamos bastante bem a nível europeu, mas em termos de transformação em valor económico não estamos tão bem. O caminho a ser feito ainda é longo: há fragilidades no nosso sistema científico e o nosso tecido empresarial ainda está em transformação. Em muitos setores ainda não se percebeu a importância da ciência e da tecnologia, mas o futuro passa necessariamente por aí.

No futuro deverão ser as empresas o principal financiador da ciência e da tecnologia?

Deve haver sempre um papel complementar entre o Estado, que financia a ciência em que o resultado é de domínio público, como são artigos em revistas internacionais que dão prestígio ao país, doutorados, etc.; e as empresas, que financiam a investigação aplicada cujos direitos de propriedade querem garantir, para aplicar esse conhecimento nos seus produtos, processos e serviços. Foi com o equilíbrio entre o investimento público e o investimento privado que todos os países se desenvolveram. Portugal tradicionalmente teve sempre um papel do Estado mais preponderante. Nesta fase, infelizmente, quer o estado, quer as empresas têm dificuldades em financiar a investigação.

“O caminho é ter coragem!”

Na sua perspetiva, qual o caminho a seguir para responder a este cenário?

O caminho é ter coragem, quer do lado do investimento público, quer do lado do investimento privado! Perceber que não se pode olhar só para o curto prazo, e que o investimento é crucial para o médio/longo prazo. Se a perspetiva do Estado e das empresas for meramente economicista vão matar o seu futuro. Vejamos o exemplo da Irlanda que também está numa crise económica, mas as opções de políticas públicas têm passado por manter o financiamento público à investigação incólume. Basta pensar que os produtos e serviços cada vez estão mais penetrados por tecnologia, os processos de produção nas indústrias cada vez estão mais sofisticados e com mais tecnologia. Por isso, se não quisermos regredir, o futuro tem de ser pela aposta na qualificação e na ciência e tecnologia!

E temos muitas potencialidades no país?

Temos, isso é reconhecido. O mar, por exemplo, é um recurso de que toda a gente fala como tendo um grande potencial, e, se virmos bem, tudo o que há para explorar no mar precisa de ciência e tecnologia. Para explorar as potenciais riquezas do nosso país é preciso sempre conhecimento, ciência e tecnologia emergente.