Pinochet atacava e depunha Salvador Allende, no Chile, quando os atores Júlio Cardoso, António Reis e Estrela Novais, “de carteira profissional nas mãos”, faziam a escritura de uma sociedade artística, no 1.º Cartório Notarial do Porto do Porto, mesmo em cima do mítico café “A Brasileira”.

Decorria o dia 11 de setembro de 1973 e tinha acabado de nascer a “Seiva Trupe – Teatro Vivo“. “Nunca pensámos que a Seiva Trupe chegaria aos 40 anos, mas é certo que em muitos períodos da nossa vida fomos considerados a principal companhia de teatro do país, sem sombra de dúvida e em todos os sentidos”, garante Júlio Cardoso, um dos fundadores e atual diretor artístico, ao JPN.

“Vamos dar a volta por cima disto tudo”

Ainda assim, quatro décadas, 127 espetáculos, mais de sete mil representações e cerca de um milhão e meio de espectadores depois, a companhia vive “numa dificuldade muito grande”, que a crise não ajuda. Mas Júlio promete não deixar de “lutar pela sobrevivência”: “Vamos dar a volta por cima disto tudo e voltar a ser a companhia que fomos, que sempre foi o orgulho do Porto e do nosso país”, afirma.

Em dia de aniversário, a comemoração ficou aquém, em prol de “organizar trabalho”, o que não auspicia um futuro negro – pelo contrário. “Estivemos a fazer o ensaio de um espetáculo que vamos levar a São Paulo e de um novo espetáculo que acontece em outubro”, conta o ator e encenador.

História

Para além da representação, a Seiva Trupe é responsável por várias atividades paralelas, como conferências, recitais, encontros de teatro, música e ciclos de cinema. Foi também a impulsionadora da Escola Artística da Seiva que funcionou até nascer a atual Academia Comtemporânea do Espetáculo (ACE).
A primeira peça levada a cena foi “Musicalim na praça dos brinquedos”, de Stella Leonardos, em 1973.
Em 1983 criou o Prémio Seiva, que distingue personalidades do Porto nas áreas das artes, ciências e letras; como Siza Vieira ou Ilse Losa.
Em 1993 foi reconhecida como Instituição de Utilidade Pública e honorada em 2010, no Dia Mundial do Teatro, pelo Presidente da República, com o Grau de Membro Honorário da Ordem de Mérito.

A ida ao Brasil resulta da larga parceria que a companhia portuense tem travado com grupos de teatro brasileiros e da América do Sul – e que em maio deste ano foi o que possibilitou a realização do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), um dos projetos da Seiva Trupe. Este espetáculo em particular também só acontece a convite do Governo Brasileiro, depois de terem sido “selecionados para representar o país no ano de Portugal no Brasil” e não terem conseguido estar presentes, por falta de condições.

Apesar das dificuldades, nunca disseram que não a “qualquer tipo de espetáculo” e conseguiram contornar os obstáculos que “certas figurinhas com inveja, que não suportam companhias com estatuto – icónicas, históricas e devidamente estruturadas” lhes vão colocando. Júlio não quis especificar as “figurinhas”, mas garante que estas, em conjunto com a tutela, “tornaram muito difícil” a missão da Seiva Trupe.

Garante, no entanto, que a companhia não está em risco devido, sobretudo, aos “atores experientes, estudiosos e investigadores” que a compõem. “Estamos sempre a renovar a nossa atuação, dia após dia… vai ser difícil que consigam atingir os seus objetivos [de acabar com a Seiva]”, assegura.

O FITEI é “extraordinariamente importante”

Exemplo disso é também a continuação do FITEI, que deverá ser assegurada. “É um dos festivais mais antigos da Europa e é extraordinariamente importante para toda a nossa atividade política, artística, social e cultural”, acredita Júlio. O evento “tem vindo a estreitar relações entre os países ibéricos e elas devem continuar pelo bem do nosso país. É reforçar a amizade dos povos cujas histórias se cruzaram ao longo das suas existências”, sublinha. Mais uma conquista.

Por mais 40 anos, ou os que sejam, a “Seiva Trupe – Teatro Vivo” quer continuar a fazer parte do Porto, mesmo que Júlio apelide a oferta cultural da cidade de “manta de retalhos” e assuma que atualmente não existe uma “verdadeira política cultural” na Invicta. Em outubro, no entanto, há nova estreia.