André Guiomar começa a dar cartas no universo cinematográfico. Com a curta-metragem “Píton” venceu, entre outros, o Prémio NY Portuguese Film Festival 2012. Entrou para a produtora de audiovisuais Cimbalino Filmes e realizou “Torres“, uma curta-metragem de ficção que teve estreia no 21.º Curtas de Vila do Conde e esteve em exibição no Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte.
Agora, é a vez de o jovem realizador se estrear nas longas-metragens documentais, com um filme que tenta refletir o quotidiano do Aleixo. Este não é mais um retrato dos problemas já conhecidos do bairro. É uma história de pessoas, culturas e vivências.
Qual é a essência do projeto?
O filme estará dividido em três capítulos. O primeiro terá enfoque nas relações humanas, nas pessoas interessantes que há para conhecer, no dia-a-dia delas e nos cargos que eles inventam dentro do bairro: o moço de recados que vai buscar as compras para a idosa que não pode sair de casa; o karaoke e os jogos de futebol em que se juntam as pessoas de todas as torres. O segundo capítulo vai debruçar-se sobre a saída das pessoas, na mobília que deixam para trás [dado que vão mudar para espaços mais pequenos] e no processo de mudanças. Vai dar a conhecer a adaptação aos novos espaços, como é que lidam física e psicologicamente com a transformação, dado que muitos amigos e famílias vão ser separados. Na terceira fase, vou registar os momentos nos novos bairros, as novas relações e a adaptação a outro mundo. Isto é o que eu acho que vai ser o filme, mas num documentário a história muda a qualquer momento.
Como é que surgiu a ideia para o documentário?
Passámos três semanas a filmar o “Bicicleta” [curta de ficção do Luís Vieira Campos] e eu adorei a experiência de lidar com aquelas pessoas. Fiquei entusiasmado para conhecer mais sobre a vida delas. Para além disso, senti que havia ali coisas riquíssimas para documentar e que mais ninguém o ia fazer.
Há quanto tempo começaram as gravações?
Estamos há cerca de dois meses a gravar, mas ainda numa fase de repérage. Não sei se vou usar todas estas gravações. Servem mais como uma fase de reconhecimento e para que as pessoas se habituem à câmara [esta é uma fase muito importante]. No Aleixo, não é tão fácil de chegar e começar a filmar: há pessoas que têm problemas em aparecer porque já mostraram imagens delas muito más na comunicação social e ficaram com esse ressentimento. Tenho de lhes dizer quais as minhas intenções, que quero mostrar o outro lado da história. É uma primeira fase que serve para descarregarem o que quiserem para a câmara. Talvez estas histórias nem me interessem para o filme, mas no segundo ou no terceiro dia em que os vou filmar já é tudo muito mais natural e abrem-se com maior facilidade.
Em que fase é que se encontra?
Eu venho de uma fase de transição, dado que a quinta e a quarta torre já foram demolidas. A terceira e a segunda já estão a meio do processo de realojamento e na primeira ainda se está a começar. Todo este processo já estava tão avançado que percebi que tinha que começar urgentemente. Portanto, ainda estou num misto de pré-produção e de produção. É urgente criar relações com estas pessoas para que, quando eu quiser filmar as mudanças, já tenha esse contacto feito previamente.
Está a correr bem essa fase de ambientação?
Sim, muito bem. As pessoas são cinco estrelas. Claro que a maneira de lidar com eles é um pouco diferente. Há gente que não quer aparecer porque não está para aí virada. De resto, todas as pessoas querem contar a sua história. Tenho captado momentos únicos, embora o bairro esteja longe do que já foi: metade das pessoas e metade da animação (…).
Sente que ainda há ressentimento por serem forçados a sair de lá?
Há imenso. Até agora só conheci uma pessoa que não se importa que aquilo vá abaixo. Fora isso, todos estão com imensa pena de sair dali. Todos adoram o Aleixo e, para a maioria, é o lar que sempre conheceram. As pessoas fecharam-se ali dentro porque tinham condições para viver assim: tinham um A.T.L., escolas, (…). Essas condições permitiram criar um grande sentido de comunidade. Esse tipo de vida vai ser quebrado e eles vão ter de se adaptar a novos sítios. Para além disso, eles têm a noção que têm casas com uma estrutura arquitetónica robusta e têm as melhores vistas que eu já vi do Porto. Claro que sabem que vão ser realojados em bairros sociais com casas muito mais pequenas e vão sentir falta de viver em comunidade, onde as portas estão sempre abertas e todos frequentam as casas uns dos outros.
Já tem alguma ideia de onde é que o filme será exibido?
A nossa prioridade é, numa primeira fase, reservar uma sala de cinema perto do Aleixo e mostrar primeiro aos moradores do bairro. Depois, é importante conseguir alguns festivais de cinema nacionais e tentar internacionalizar o filme, até para ajudar a Cimbalino Filmes a ganhar mais crédito. Como terceira fase, é óbvio que tenho o sonho de o filme estrear numa sala de cinema e sair em DVD, mas ainda é muito cedo para pensar nisso.