O dia começa cedo no Seminário Menor de Resende. Todos os dias, às 6h45, o som da sineta serve de despertador aos 12 seminaristas que lá vivem. Meia hora depois começa a eucaristia, umas vezes presidida pelo vice-reitor do seminário, o padre António José Ferreira, outras vezes por um dos formadores, o padre Miguel Peixoto.

O número reduzido de seminaristas presentes fez com que a sala de música se transformasse em capela, isto porque a capela que já existia era demasiado grande para poucos jovens. Estas missas são cantadas, acolitadas e preparadas pelos jovens, que se juntam em redor do altar. Um pouco atrás, costumam ficar três funcionárias do seminário que também mostram a sua devoção com oração.

“Acordamos às 6h45, preparamo-nos até às 7h15 e vamos para a eucaristia. No final da eucaristia vamos tomar o pequeno-almoço. Às 8h preparamos a mochila para ir para a escola”, diz Rafael Matos, o seminarista mais velho do grupo, com 18 anos. “No início, a rotina é muito monótona, mas depois uma pessoa habitua-se e a equipa formadora vai metendo umas atividades pelo meio. Costuma ser interessante”, conta Adriano Pereira, seminarista há três anos.

Depois da missa, os seminaristas juntam-se à mesa, onde não se sentam sem rezar uma pequena oração. A seguir, preparam-se para sair para o Externato D. Afonso Henriques, onde as aulas começam às 8h30. Estão na escola até às 16h30 e regressam ao seminário, onde têm horários bem preenchidos, que passam pelos salões de estudo, pela leitura na biblioteca, ou pelas horas de repouso nas camaratas.

O sustento do seminário

É dos 50 hectares de terreno do seminário e da vacaria que nasce a principal forma de sustento do seminário. Tanto os terrenos como a vacaria são tratados por quatro irmãos, os Sequeira, que não têm hora para sair do trabalho. “É do nascer do sol até anoitecer”, diz Francisco Sequeira. Da vacaria saem, em média, por dia, 700 litros de leite e nos campos cultivam-se vinho, milho e cerejas. Outra forma de sustento é o acolhimento de grupos. Cada dia tem o custo de 17 euros, ficando ao dispor do grupo todas as instalações do seminário.

A vida no seminário

“Queria descobrir, foi para isso que entrei”, diz Adriano Pereira. Com 15 anos, este é um dos 12 rapazes que frequenta o Seminário Menor de Resende, também conhecido por Seminário de Nossa Senhora de Lourdes. “O meu pai, a minha mãe e o meu padrinho eram as pessoas que mais me apoiavam”, continua. Depois de ter feito um pré-seminário, e apoiado pelo pároco, decidiu entrar, apesar de o irmão não ter achado muita piada.

Cláudio Almeida está pelo primeiro ano nesta escola de formação. Com 14 anos, é o rapaz mais novo. Surpreendido pelo acolhimento com que os seminaristas o receberam no pré-seminário que frequentou, quis logo entrar no seminário. Nove semanas depois, escolhe com facilidade a principal dificuldade da vida longe de casa. “O que custa mais são as saudades, mas com o tempo habituamo-nos e como estamos todos em família esquecemos isso”, diz. Estes rapazes só vão a casa de 15 em 15 dias, por norma.

Diogo Miguel, de 15 anos, também está no seminário pela primeira vez. Foi para lá para fazer a sua descoberta pelo sacerdócio. “Nas primeiras semanas custou, tinha muitas saudades, mas acabei por me habituar. Os outros seminaristas que já cá andavam e os formadores deram muito apoio”, refere. Acha a rotina exigente, mas confessa que os obriga “a ter horários”, ajudando-os a formarem-se como “pessoas melhores”.

Outro dos novos alunos do seminário é Igor Andrade, com 16 anos. As más notas na escola fizeram com que os pais lhe sugerissem a entrada no seminário, o que não lhe agradou de imediato. Nas idas a casa há que aproveitar bem o tempo. Ilídio Ferreira está separado de casa por 50 quilómetros. Sobre a rotina de um seminarista diz que “é um bocado rigorosa, mas, se pensarmos bem, tudo tem que ter regras e aqui também é essencial”. Aos fins-de-semana, a rotina é diferente e mais livre de horários, onde há sessões de cinema, jogos de futebol e passeios pela vila. “Dá para desanuviar das aulas”, diz Ilídio.

Sérgio Carvalho, com 15 anos, entrou para o seminário a querer descobrir o caminho de Deus. “Como diz o nosso lema ‘Ide e fazei discípulos’, aqui estou eu para ir fazer e procurar o caminho de Deus”, refere. A relação entre os 12 é muito próxima e, por isso, Sérgio até os compara com os 12 Apóstolos. Os desabafos entre todos são comuns. “Desabafo muito com eles e conto-lhes coisas que os meus pais não sabem”, diz Sérgio. Rafael é visto como o irmão mais velho e um ombro amigo nos momentos mais difíceis.

Ainda nenhum sabe se vai ser padre, porque a procura por essa resposta não é fácil e exige uma reflexão prolongada. “Quando se entra para o seminário com 12 anos, o principal objetivo é encontrar uma pequena chama que nos leve ao encontro de Jesus Cristo e, assim, ao longo da caminhada encontrar a nossa fé”, partilha Rafael. Mas Sérgio tem um sonho para concretizar.

Antigamente, havia o rótulo de seminaristas na escola onde estudam, mas, nos dias que correm, as coisas mudaram. “Em geral não sinto nada disso. É como se fosse uma pessoa normal na turma”, partilha Ilídio.

O papel do formador

A equipa de formação do Seminário Menor de Resende, que comemora este ano o seu 85.º aniversário, é composta por quatro elementos. Miguel Peixoto, padre, tem 29 anos e recebeu o convite pouco tempo depois de ter sido ordenado sacerdote. “Fiquei um pouco assustado”, diz. “Ser formador no seminário é acompanhar os rapazes numa dupla dimensão: a dimensão humana e a dimensão espiritual – aquilo em que o seminário é específico – e fazer destes jovens anunciadores e transmissores da mensagem”.

Os desabafos com os formadores são vários e as ideias partilhadas mostram crítica à sociedade. “Podemos ver os formadores como amigos, pais e educadores. Estão prontos para nos ajudar. O principal objetivo no seminário é educar. Ajudam-nos a superar os momentos menos bons”, conta o seminarista mais velho, Rafael. “No fundo, o importante é a formação integral em ambiente de seminário”, diz o vice-reitor. “Formá-los para a vida, no campo humano nos valores, no campo intelectual, no campo espiritual, e, quem sabe, um dia, no campo pastoral, para quem enveredar pelo caminho do sacerdócio. O aspeto espiritual está sempre presente, porque o seminário pretende formar padres”, acrescenta.

Também os funcionários da instituição assumem um papel importante na formação dos jovens. No total, há nove funcionários no seminário e três voluntárias. Maria da Glória Peixoto tem 72 anos e é uma das voluntárias a “aturar os heróis” e a ajudar nas refeições. Já conhece bem estes jovens e os seus gostos e sabe das mudanças que o tempo trouxe. Aida Pereira e Fátima Pereira são gémeas. Também dominam bem a realidade dos seminários, fruto dos anos de trabalho que lá tiveram. “Se eles precisassem de carinho e de um sorriso, ria-me para eles”, diz Aida. Albina Sequeira é funcionária há 30 anos e guarda com carinho histórias de jovens que ajudou a educar, inclusive a do vice-reitor.

Em suma, um formador “é um pai, é um companheiro, é um amigo. Tem que ser um pouco de tudo. Há momentos em que os seminaristas precisam de alguém que os acompanhe, há outras vezes em que precisam de ser repreendidos”, conclui o padre Miguel Peixoto.

Há cada vez menos seminaristas

Na diocese de Lamego, Viseu, há dois seminários: o Seminário Menor de Resende, dedicado aos jovens que frequentam o terceiro ciclo e o ensino secundário; e o Seminário Maior de Lamego, para onde seguem os jovens que pretendem ser padres e se formam em Teologia. No primeiro, de há uns anos para cá, o número de seminaristas reduziu. Se há cerca cinco anos havia mais de 40 seminaristas em Resende, este ano há apenas 12. Rafael Matos acredita que isso acontece porque há menos jovens e Portugal é um país com uma grande taxa de envelhecimento. Cada jovem paga 500 euros por trimestre para estudar no Seminário de Resende, mas a crise parece não ser uma razão para afastar estes rapazes.

A promoção vocacional é uma das ferramentas que a equipa formadora usa para captar os jovens com vocação. A ida pelas paróquias da diocese, que mostra a realidade do seminário ou os pré-seminários, bem como os encontros gratuitos entre os adolescentes, são outras formas de cativar.

O formador Miguel Peixoto entende que “há muitas razões” que justifiquem a menor procura, como, por exemplo, o “desinteresse relativamente à Igreja”. Além disso, o padre Miguel fala da falta oração como uma das razões. “No dia-a-dia não se reza tanto pelos seminários como se rezava. A dimensão espiritual reflete-se nos seus frutos”, diz.

“O mundo parece estar surdo, as pessoas não param para pensar e refletir e Deus fala no interior de cada um”, afirma o vice-reitor do seminário, o padre António José Ferreira. “Se antigamente muita gente falava aos jovens deste caminho, hoje há pouca gente. Não há essa sensibilidade. Os jovens não conhecem a realidade do seminário. Temos tido a preocupação, hoje mais, de ir pelas paróquias, para lhes dar a conhecer o seminário”, continua.

No entanto, as pessoas ainda se preocupam com os seminários, como demonstraram na última semana, designada de “Semana dos seminários”. “É uma das causas que mais mobiliza a diocese”, diz D. António Couto, bispo de Lamego. “Verifica-se através da coleta, cujo resultado é dos mais elevados ao nível da diocese, o que quer dizer que as pessoas consideram os seminários como seus e importantes”, conclui.

O número “12” não é impedimento para “uma amizade muito grande. Estamos sempre juntos, realizamos maiores atividades, andamos mais felizes e conseguimos fazer com que o tempo passe mais rápido do que se andássemos na solidão”, completa Rafael Matos. A sociedade aponta diferentes razões para esta queda, mas não deixou passar a semana em vão. O Seminário Menor de Resende é “uma escola que já preparou muita gente”, diz António José Ferreira, o vice-reitor da instituição.