Nunca estudou música. Aprendeu a tocar guitarra e piano sozinho. No entanto conseguiu construir uma carreira como compositor. Foi teimosia ou amor à música?

Foi um pouco as duas coisas. Foi amor à música e persistência. Acho que é importante acreditar naquilo que queremos fazer. Isso é o mais importante. A verdade é que eu começo a ser músico nos inícios dos anos 80, onde surgiram muitos músicos que não tinham estudos académicos. A música pop baseava-se nas ideias, na construção de canções. A maior parte dos músicos não sabia escrever pautas. O meu grande interesse foi compor, poder compor, poder criar. Desde muito cedo, desde que me deram uma guitarra para as mãos – com 12 anos -, a minha vontade era tentar fazer alguma coisa que fosse minha e não aprender as músicas que na altura muita gente queria aprender: as músicas dos Pink Floyd ou dos Beatles.

É por essa razão, por nunca ter estudado música, que, para si, compor é algo intuitivo, como já disse várias vezes?

Claro. Sim, eu julgo que sim. Talvez precisamente pelo facto de eu não ter estudos, de não ser um virtuoso – uma pessoa para ser um grande técnico, um grande virtuoso tem que estar oito ou nove horas por dia a tocar, a tocar, a tocar. E eu sigo a intuição, ou seja, procuro aqueles momentos em que acho que pode haver ali alguma coisa que valha a pena trabalhar para tentar construir uma canção ou uma música instrumental. Há muitas coisas que eu componho que depois não chego a usar, há outras que ficam ali uns tempos e eu não sei bem o que lhes hei-de fazer, mas depois mais tarde aproveito-as, e há outras que vão surgindo e é as que eu gosto logo, porque as trabalho no momento. Portanto, vou seguindo sempre a intuição, claro.

“O êxito que muitos cantores têm tido ultimamente deve-se aos Madredeus”

Uma vez disse, numa entrevista, depois de já ter iniciado a sua carreira a solo, “Sei que nunca poderemos ser como os Madredeus”, referindo-se ao sucesso da banda. Sente que os Madredeus foram um projeto que jamais se poderá superar?

Sem dúvida. Penso que os Madredeus foram o projeto mais importante nos últimos 30 anos em Portugal. E penso que o grande êxito que muitos cantores têm tido ultimamente, lá fora, deve-se muito ao trabalho que os Madredeus fizeram. Abriram portas para todos esses cantores. Não há dúvida nenhuma. É evidente que a Amália era muito conhecida em muitos países, mas nunca houve um grupo em Portugal que tivesse o percurso que os Madredeus tiveram, a fazerem 50 concertos por ano, em todos os cantos do mundo.

E não sente essa vontade de ser o Rodrigo a superar?

Não, não. Acho que não há, de forma alguma, entre nós, pelo menos entre esta “família de músicos”, como eu gosto de chamar – nós conhecemo-nos há mais de 30 anos e fizemos tantos projetos, como a Sétima Legião, Os Madredeus, Os poetas, O golpe de Estado… -, inveja, ou necessidade de tentar ser melhor, ou de vender mais discos que o outro. Nós estamos concentrados naquilo que queremos fazer, independentemente do êxito que possamos ter com determinados trabalhos. Acho que o mais importante é uma satisfação pessoal, acima de tudo, para nós próprios, para mim, como compositor, e para todos os músicos e produtores que trabalham comigo e se envolvem comigo nestes projetos. Acho que isso é muito importante.

“Acho que é uma grande seca ter que ir buscar uma estatueta qualquer”

Não toca para prémios.

Não, de forma alguma. Estou-me completamente nas tintas para os prémios (risos). Acho que é uma grande seca ter que ir não sei aonde, buscar uma estatueta qualquer… Acho que não tem significado. Quer dizer, é evidente que tem algum significado. Tudo bem. Quer dizer que a minha música chegou a mais pessoas. Mas não é de todo o mais importante.

O Rodrigo tem uma forte ligação ao cinema, porque já compôs bandas sonoras para vários filmes, como “O Mordomo” e “A Gaiola Dourada”. Compor para imagens é mais difícil ou até facilita, porque acaba por ter uma fonte de inspiração direta?

Sim, por vezes, de facto, facilita. Penso que o mais importante, quando estamos a compor para a imagem, é identificarmo-nos com o argumento e sentirmos o que o realizador pretende musicalmente do trabalho, perceber exatamente que universo ou que direção temos de seguir. E, a partir daí, torna-se mais fácil. Eu lembro-me de muitas cenas que compus, por exemplo, para “O Mordomo”, músicas que encaixaram logo à primeira, outras que ao fim de seis, sete, oito tentativas não encontrávamos a música certa para aquele momento. Penso que é como tudo.

No cinema, a música é uma personagem fundamental?

Eu acho que sim. Obviamente que depende do tipo de filme e do tipo cinema. Mas eu acho que…não quer dizer que não haja um grande filme que não tenha música. Mas penso que a música é uma personagem muito importante no cinema.

Para além de compor para filmes sei que é um apaixonado por cinema e que nas horas livres gosta de assistir a um bom filme. Tem um realizador favorito?

Tenho vários. Como Charles Chaplin, Visconti, Truffaut, David Lynch, Pedro Almodóvar. Penso que não há assim um [em particular]… Eu gosto de cinema muito diferente, essencialmente de cinema europeu. Mas também gosto de algum cinema americano. Gosto de muitas variantes de cinema.

“Gosto muito de ouvir Radiohead ou os Coldplay”

E em termos de música, o que costuma ouvir?

Costumo ouvir essencialmente música clássica. Mas também muitos tipos de músicas diferentes, desde música brasileira, alguma música francesa e pop. Penso que a música pop esteve sempre presente em mim desde a Sétima Legião, até hoje. Há, obviamente, uma paixão que eu tenho pelos anos 80, em grupos como Joy Division, Echo & the Bunnymen, New Order. Mas há grupos mais recentes de que eu também gosto muito, como os Radiohead ou os Coldplay.

Se não fosse músico o que seria?

Não sei. Eu acho que a música tornou-se para mim uma instrumento de eu poder, de alguma forma, exprimir o que sinto, não é? E se não fosse a música, talvez a pintura. Pelo menos algo que me pudesse fazer sentir o que sinto quando estou a fazer música.

Não seguiria a carreira de Direito de que desistiu quando era mais novo?

Não! (risos) No segundo ano desisti porque já tinha muitos projetos na altura, a Sétima Legião, os Madredeus…e, de facto, não era um curso que tivesse a ver comigo.

Acabou de fazer os coliseus, de Lisboa e Porto. Como correram esses concertos?

Correram bastante bem. Nós, quase todos os anos, fazemos, no mês de novembro, um coliseu de Lisboa e um coliseu do Porto. Desta vez, começámos por Lisboa e depois fomos ao Porto. Eu acho que o do Porto foi bastante melhor do que o de Lisboa. O público foi melhor e nós também tocámos melhor. Foi a apresentação de grande parte das músicas que eu compus ao longo deste último ano para filmes. Com uma formação diferente, com mais um quarteto de cordas e um trio de sopros. E acabou por ser um concerto diferente do habitual. Para quem vai ver é importante haver estas mudanças.

Gosta de tocar ao vivo?

Gosto muito. Neste momento, gosto muito de tocar ao vivo. Acho que é um contacto com o público que é importante. Quando estamos em estúdio a tentar compor para um disco é um processo em que estamos fechados durante um mês a gravar melodias. O tocar ao vivo é muito mais espontâneo.

O que é que ainda lhe falta fazer?

Eu acho que me falta fazer muita coisa. A música é um universo infinito de possibilidades, de misturar estilos de música diferentes. Penso que é essencial, para mim, continuar a ter esta energia de querer compor, de querer mostrar as músicas que faço às pessoas, de tocar ao vivo. Isso acho que é muito importante.