“Não ganhar a bolsa foi um golpe emocional muito grande. Aquilo que mais custou admitir na recusa do projeto, de que ainda vou recorrer, foi a não argumentação. De acordo com a avaliação, o projeto é excelente, mas mesmo assim não dão a bolsa. É a humilhação de nos dizerem que somos bons, que valemos a pena, mas que não podemos ser financiados. Não estou de mal com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), até porque me financiaram o doutoramento, mas é doloroso. É uma dor – e dói mesmo.

[De acordo com dados provisórios recolhidos pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica], este ano foram atribuídas cinco bolsas em Estudos Literários e Linguística. Sem dúvida que as ciências exactas são mais compreendidas enquanto ciência, mas o corte foi transversal, idêntico em todas as áreas, e também há menos gente a fazer investigação em Ciências Humanas. Às vezes tenho de explicar o que raio estou a fazer a colegas de Engenharia. O conhecimento da nossa história, da nossa literatura, da nossa cultura é tão fundamental como compreender como reagem determinados elementos químicos para fazer um novo produto. Investigar em estudos culturais é perscrutar o coração de uma sociedade, de uma cultura.

Faço parte de um grupo chamado Seminário Medieval de Literatura, Pensamento e Sociedade que pertence ao Instituto de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). É um grupo bastante coeso e estamos a fazer bastante investigação, temo-nos internacionalizado muito e são as bolsas que o permitem. Por muito que gostemos, há que pagar as contas, há que ter uma vida própria, que comer, que viajar muito para ir a congressos, fazer pesquisa em bibliotecas.

Eu, agora, felizmente, estou num projeto de investigação na área da Filosofia, que envolve a transcrição e a análise de manuscritos sobre comentários do “De Anima” de Aristóteles. Este projeto termina a 30 de Junho e depois ia começar o “pós-doc”. Agora é um mistério. Vou recorrer dos resultados – a 1.ª fase para contestar é até 28 de Janeiro – mas isto vai demorar meses, demora sempre meses. São meses que passam…

O que eu posso fazer aqui é continuar a concorrer a projetos exploratórios deste tipo, que são anuais, às vezes nem isso, sem nenhum projeto individual em que eu seja responsável pela investigação. Mas para evoluirmos enquanto investigadores temos de ter um projeto próprio e grande, do qual somos inteiramente responsáveis. Nós fazemos falta às universidades. Na FLUP há poucas pessoas e os bolseiros dão apoio, podem dar algumas aulas, dão outro “insight” que os professores não têm. Perde-se qualidade no ensino. E variedade.

Dar filhos para o estrangeiro

Sou sincera. A minha primeira reacção quando soube [os resultados] foi “eu vou-me embora daqui”. E eu não quero ir embora de Portugal, atenção. Sou teimosa. Chorei, fiquei desolada porque não quero embora. Mas se eu não puder ser bolseira de projetos mais pequenos – que são sempre a prazo, é difícil planear a vida – vou ter de ir lá para fora. Sempre disse só ia quando me dessem um pontapé ou me pusessem uma faca nas costas – o que torna tudo mais perverso. Nós fomos formados em Portugal: o ensino básico, a licenciatura, o mestrado, o doutoramento, financiado pela FCT. O nosso resultado académico depende muito do ensino público. O meu país pagou os meus estudos e eu agora vou ter de dar a render aquilo que aprendi aqui lá fora.

Isto está a ficar cada vez mais um país de velhos que nem serve para os velhos. No meu caso, tenho 29 anos, há coisas que gostava de poder fazer e sei que não posso porque não tenho essa estabilidade. Não posso pensar em constituir família. E como eu há pessoas que estão em situações ainda mais graves. Vamos lá para fora e as crianças que temos também ficam lá fora. É quase um país que está a dar filhos para o estrangeiro, sobretudo os mais qualificados, os que tiveram uma formação de topo. E chegamos lá fora e somos reconhecidos.

Sim, eu tenho outras competências e sei fazer outras coisas, mas se chego a uma empresa para trabalhar como secretária com 29 anos e um doutoramento dizem que não sei fazer nada. Em qualquer outra área, fora da investigação, acham que uma pessoa esteve a passear, que não trabalhou a sério. Uma pessoa que tem um doutoramento para que serve? Ainda para mais nesta área?

Não me habituo à vida a termo e dói-me muito, mas não me vejo a largar a investigação. É uma paixão, e quando se faz um trabalho com gosto ainda produzimos mais. Deixar a investigação não, mas estou farta de viver a curto-prazo. Mesmo a bolsa de pós-doutoramento dura, no máximo, seis anos, e não é garantido porque a renovação é anual. Não vou deixar de fazer investigação na minha área, mas provavelmente só lá fora. Sou filha única e vim morar para junto do meu pai, ele tem problemas de saúde. Eu não queria abandonar os meus pais, queria poder usufruir do tempo que tenho com eles, que ainda vai ser muito, claro. A nível emocional, parece que temos de andar a fazer uma jigajoga para conseguir combinar as nossas vidas com as das outras pessoas para podermos comer. O que eles querem de nós é que andemos a correr o mundo com três filhos às costas.”