Cristina Oliveira e o irmão trabalham no ramo funerário há 30 anos. Antes deles, o pai já o fazia também há 30 anos. Para Cristina, o negócio do pai era como outro qualquer: “Eu vinha do colégio e sentava-me em cima das urnas a fazer os trabalhos de casa. Claro que nessa altura não tinha noção do que era a morte”.

Contas feitas, o negócio está na família há 60 anos. Como negócio que é, Cristina explica que, “hoje em dia, para ter um negócio de uma agência funerária é preciso ter um alvará e um responsável técnico. Depois há outros requisitos que a ASAE impõe. Ter mostruário físico e em catálogo, ter livro de reclamações, mostruário de preços afixados, etc.”.

A obrigatoriedade de ter um responsável técnico é uma novidade para o negócio. “Foi uma maneira de nos fazer gastar dinheiro, 150 horas e 750 euros para não aprendermos nada”, afirma Cristina. “Existem outras leis que dizem que a nossa atividade tem de ser exclusivamente funerária, ou seja, as pessoas que tinham agência com a florista ao lado e as mármores atrás, tiveram de construir uma parede a meio”, acrescenta.

Um padre que sabe lidar com a morte

Padre Amorim exerce a sua atividade há 44 anos e confessa que lidar com a morte é algo “muito fácil”. “É uma coisa muito fácil por causa da visão que eu tenho da morte, que é a visão cristã. Eu não considero a morte uma desgraça, mas sim uma passagem”.

Apesar disto, e à semelhança de Cristina Oliveira, admite que a morte também inlfuencia a sua vida: “Há alguma separação entre a minha vida e a das pessoas, mas acabo eventualmente por pensar que também vou morrer, o que me faz repensar a vida e tomar decisões enquanto ainda estou vivo. Grande parte das decisões que tomo é com base no pensamento de morte, não num sentido trágico”.

No que toca à prática, Padre Amorim pode não organizar os funerais, mas, segundo o próprio, existem outros preparativos e cuidados especiais: “Na homília da celebração fúnebre procuro escolher bem as leituras e o meu discurso é muito diferente daquilo que eu faço ao domingo. O tom de voz é mais doce, mais suave”. Tal como Cristina, admite que o que mais doí “não é a morte, mas o que as pessoas estão a sofrer naquele momento”.

A verdade é que até aqui é impossível escapar aos apertos governamentais e, apesar de ser um negócio que não perde clientes, existem outros fatores que o colocam em crise. “O negócio está difícil, porque temos muitos calotes. As pessoas não têm dinheiro para pagar e cada vez pedem funerais mais baratos. O Estado também não facilita. Criaram agora um funeral social que custa 394 euros e pouco. Isto para nós é uma coisa inviável, porque esse valor nem nos paga a urna sequer. A nossa ‘sorte’ acaba por ser o facto de este funeral não englobar o velório, e as pessoas não querem isso. A população ainda está muito agarrada à tradição de velar o corpo. Ao velar o corpo deixa de ser funeral social e o preço passa para os mil e tal euros”, revela Cristina Oliveira.

“Isto é um negócio, mas nós somos humanos”

Como cerimónia que é, o funeral envolve muitos preparativos, tanto a nível da preparação da celebração como do próprio corpo: “Nós, funcionários, fazemos tudo o que é necessário. Tratamos do corpo, fazemos a higienização e tratamentos que sejam necessários para a conservação do corpo, estética, preparar o funeral e, se for preciso, até ajudamos a meter na cova”.

No que diz respeito à preparação do funeral, Cristina Oliveira explica que “o principal é a escolha da urna”. “Depois, se é um funeral católico ou não, para sabermos, a partir daí, o que temos de preparar. A seguir, ver se a família quer velar o corpo. Depois vêm as coisas adicionais, como as flores, publicidade, pessoal para pegar na urna ou não…”, enumera.

Um coveiro que tinha medo, “quando escurecia”

Joaquim Almeida é coveiro de profissão. Conhece o cemitério melhor do que ninguém e é responsável por grande parte das tarefas que lá se fazem. “No cemitério tenho de abrir as covas, baixar os caixões quando é preciso, tapar… A parte do funeral, em si. Mas também trato do espaço, mantê-lo agradável…também tenho de vender os círios e as velas e todas essas coisas que as pessoas põem nas campas”, conta Joaquim, que afirma que, “há muitos anos, ao início, custava, quando escurecia”.

Esse medo foi ultrapassado há já muito tempo e, à semelhança de Cristina Oliveira e do Padre Amorim, confessa que “o que dói mais, muitas vezes, é ver o sofrimento de quem cá fica, muitas mulheres a chorar pelos filhos e pelos maridos…”.

Na preparação do corpo, os cuidados já são diferentes e o contacto com as pessoas acaba para dar lugar a um momento em que se está a sós com o corpo num trabalho que tem de ser minucioso e cuidadoso. “Eu e o meu irmão fizemos cursos de Tanatoplaxia e Tanatoestética. A higienização nós fazemos sempre por causa dos vírus e bactérias que o corpo pode ter. Também pomos sempre hidratante para a pele não estalar e perfume para disfarçar os cheiros. Tamponamento, que é limpar os orifícios naturais e fechá-los, também fazemos sempre. Outras situações, só se realmente for necessário, porque são coisas mais invasivas e a lei ainda é omissa”, conta Cristina Oliveira.

Explicada a parte prática de todo o processo, é necessário saber como lidar com a parte humana do trabalho: “Não foi fácil, no início, nada fácil, mesmo. Os choros, a dor… Chegava a casa derreada. Isto é um negócio, mas nós somos humanos e não podemos olhar para as coisas sem uma vertente humana”.

Cristina considera o funeral a parte mais complicada, porque quando está sozinha com o corpo “é diferente”. “Encaro aquilo como um corpo. A partir do momento em que a família está presente, o corpo passa a ser um ente querido. Deixa de ser algo inanimado e passa a ser algo com sentimento. Aí é que se torna difícil”.

A responsável confessa ainda que, por vezes, os funerais que organiza afetam a sua própria realidade: “Há dois ou três anos fiz um funeral de um miúdo de 15 anos, que na altura tinha a idade da minha filha mais velha. Quando estava a ser feito o serviço eu andei a carregar flores e a inventar tarefas, senão não me ia aguentar”.