Rui Tavares apresentou o LIVRE como uma alternativa para o meio da Esquerda. Disse que o LIVRE nascia de uma recusa da passividade, defendendo até que os custos de estar quieto são muito maiores do que aqueles de tentar alguma alternativa. Disse também que, na visão do LIVRE, era necessário uma convergência à Esquerda. Acha que os atuais partidos políticos portugueses são um bloqueio?

Eu creio que a maneira de se fazer política em Portugal tem sido um bloqueio nos últimos anos e esse bloqueio sente-se particularmente à Esquerda. E o problema é que na crise em que estamos hoje em dia, o preço dessa falta de comunicação paga-se. Esse preço paga-se em dependência com o exterior, porque a Direita quis governar com a troika. Esse preço paga-se em ataques aos direitos económicos, sociais e culturais que estão na Constituição. Esse preço paga-se no atraso que nós temos para a construção de uma alternativa. E, acima de tudo – e é por isso que fazemos o LIVRE e já o devíamos provavelmente ter começado antes -, esse preço vai-se pagar de uma forma muito perniciosa para a política portuguesa e para a nossa sociedade a partir de 2015, quando tivermos de novo eleições. O sistema político-partidário continuará a dar sempre as mesmas soluções que dá. Um Governo de Direita ou um Governo de centro. Nunca temos um Governo ancorado à Esquerda, não é? É um bocadinho como uma máquina de jackpot, que está sempre viciada, cai sempre para o mesmo lado. Só que ela não está viciada por acaso, está viciada de certa forma por nós mesmos. E nós temos de mudar a nossa maneira de fazer política, temos que mudar a nossa própria atitude à Esquerda, se queremos depois poder mudar o país e a Europa, e caminhar para uma sociedade mais livre, justa e fraterna.

O símbolo do LIVRE

O LIVRE escolheu como símbolo a papoila. Quais foram as razões dessa escolha?

A papoila é um símbolo europeu que vai fazer um século dentro de poucos anos. É o símbolo da paz na I Guerra Mundial, uma guerra cujas origens até hoje são difíceis de explicar. Mesmo para os historiadores especialistas daquela época, que não é o meu caso. Durante grandes massacres na I Guerra Mundial, entre as trincheiras revolvidas pelas bombas, numa determinada primavera, os soldados começaram a ver nascer papoilas. Porque as papoilas nascem sem pedir licença a ninguém. Começaram a nascer ali no meio da guerra e foram tomadas como um símbolo de esperança, de renovação e de paz. Há um poema desta época que se chama “In Flanders Fields”, escrito por um soldado canadiano, que fala dessa paz. E nas crenças tradicionais portuguesas é uma coisa que, curiosamente, aparece mais do Sul do que do Norte. Há uma coisa que é “O Dia da Espiga”, que é numa quinta-feira de maio, e, por coincidência, foi nesse dia que nós lançámos o manifesto pela Esquerda livre e aí já aparecia a papoila, um símbolo de fertilidade, de generosidade e de liberdade também. Quando a gente arranca uma papoila e a quer aprisionar, ela morre passado pouco tempo e, portanto, ensina-nos também que a liberdade é algo de frágil e de que temos de cuidar.

O LIVRE nasceu sem pedir licença a ninguém. Mas algumas das reações, nomeadamente da Esquerda, mas não só, afirmaram que este partido foi criado propositadamente para garantir uma candidatura às próximas eleições europeias. Como é que reage a este tipo de comentários?

Eu acho que os factos respondem a isso abundantemente. Se ser eleito deputado ao Parlamento Europeu fosse minha primeira prioridade, eu teria sido um deputado como às vezes os independentes têm que ser. Ou seja, mais disciplinado que os militantes. Coisa que está clara que não fui. E paguei esse preço. Teria aceitado convites de outros partidos e algumas menções na praça pública de partidos que gostavam de contar comigo na lista. E isso não é, de facto, o objetivo da criação deste partido. Nem sequer dentro deste partido, porque dentro deste partido nós pretendemos iniciar um método que é o das primárias abertas, que já existe noutros países e que pretendemos aplicar pela primeira vez em Portugal. Além disso, este partido não é um partido feito a pensar nas Europeias. É um partido feito a pensar principalmente em 2015. Nós temos um discurso europeu, sabemos o que é que queremos para a Europa e sabemos como o dizer. Não temos medo de fazer esse discurso, mesmo quando ele é impopular. E creio que em alguns momentos vai ser um discurso impopular, porque é um discurso “eurodemocrático” e não “eurocético”. Isso significa que nos podemos sentir à vontade em eleições europeias e as Europeias podem ajudar o partido a nascer, mas o partido de todo não é direcionado para umas únicas eleições.

É importante o LIVRE na Europa, este ano?

As eleições europeias não são importantes para o LIVRE, são importantes para o país. Portugal vai ter 21 deputados. Não são muitos, nem chegam para ocupar todas as comissões parlamentares no Parlamento Europeu, nem para cobrir bem todas as áreas de ação. E o Parlamento Europeu vota sobre a regulação dos bancos, sobre proibir determinados produtos financeiros, sobre a proteção de dados e a privacidade de 500 milhões de cidadãos, sobre os recursos pesqueiros, sobre Natureza, sobre Saúde, sobre o Estado de Direito e os direitos fundamentais também de 500 milhões de cidadãos. O Parlamento europeu aprova e rejeita tratados internacionais. Muitos dos tratados que nós, na Europa, fazemos com os Estados Unidos são votados no Parlamento Europeu e não chegam a ser votados nos parlamentos nacionais. E um país que só tem 21 deputados deve esforçar-se por ter bons deputados e por fazer um bom debate europeu. Portanto, para Portugal, as eleições europeias são muito importantes. Se para o LIVRE as Europeias são importantes ou não, são-no nesta medida em que são importantes para todos nós. Nós não nascemos a pensar que vamos ter um grande sucesso eleitoral, nem não nascemos a pensar que vamos ter um grande insucesso eleitoral. Nascemos a pensar que há determinadas coisas que têm que ser ditas de uma forma mais eficaz quando se faz um partido político. Nascemos a pensar também que esta posição política e este lugar político tem sido sub-representado até agora.

Os líderes dos partidos políticos e, principalmente, os que estão no arco de governação, muitas vezes estão sujeitos a uma exposição mediática muito forte. Assumindo a liderança de um novo partido, está preparado para isso?

Eu estou, com outras pessoas, a assumir a fundação de um novo partido. Esse novo partido, um dia, há-de escolher os seus porta-vozes e eu posso ser um deles ou não. Mas respondendo diretamente à pergunta, não é algo que me agrade a mim e creio que não agrade a 99% das pessoas. O melhor será sempre partilhar isso com outras pessoas, tomá-lo em doses mais ou menos homeopáticas.