Em que medida é que a atribuição deste prémio influencia a sua evolução como escritor?

É muito difícil dizer ainda no que é que vai influenciar. Neste momento sei a diferença que fez. Eu estou desempregado há um ano e tal, a minha editora diz que os livros não vendem, que não pode continuar a vendê-los com o mesmo ritmo, e eu, sinceramente, sobretudo nas últimas semanas, estava a começar a ficar um pouco desmotivado, porque tenho estado em casa, a tentar escrever, a tentar fazer o meu trabalho e sinto-me desmotivado. Pelo menos o prémio é um acrescento de ânimo, espero que dure pelo menos umas semanas, que dê para ir trabalhando. E obviamente que é um prémio que chama a atenção das pessoas para um livro que já estava fora das livrarias, de mercado, no fundo, e de algum modo há de ajudar a vender alguns exemplares. No fundo, todos escrevemos para que alguém do outro lado leia as histórias e se identifique com elas.

E o que é que isso lhe diz sobre o estado da literatura em Portugal?

O estado da literatura está a atravessar a melhor fase de criação junto de autores mais ou menos da minha idade: o Valter Hugo Mãe, o Gonçalo M. Tavares, a Dulce Maria Cardoso, o Pedro Rosa Mendes, o José Luís Peixoto, nomes que, neste momento, são bastantes lidos em Portugal e respeitados lá fora. Olhando para trás não me lembro de uma outra geração que tenha tido esta aceitação. Depois de conseguir ou não chegar aos leitores, um dos objetivos disto que nós fazemos nem sempre funciona tão bem. O mercado está muito saturado de bestsellers internacionais que são postos às toneladas nas livrarias, ou de livros de cozinheiros, ou livros de celebridades instantâneas. E a isso tenho alguma relutância em chamar de literatura, mas é leitura, é objeto de leitura. Não será literatura. E, de algum modo, as pessoas que se satisfazem com esses livros já não procuram os outros.

Fale-nos um pouco da sua obra “Uma Mentira Mil Vezes Repetida”.

É uma história que tem inúmeras histórias dentro. As pessoas compram um livro e, na verdade, compram várias outras histórias. Têm um fio condutor, que é uma mentira que vai sendo contada pelo narrador do livro em viagens de transportes públicos, que vai inventando um outro livro. No fundo, o livro que ele inventa acaba por se consubstanciar no livro que eu escrevi, aquela ideia das bonecas russas, que vão saindo umas dentro das outras: umas histórias dentro das outras. Este livro funciona um pouco nesse regime de boneca russa. As pessoas pelo menos podem saber que não compram um livro, compram vários e várias personagens de diferentes regiões do globo que se cruzam nesta espécie de caldeirão que é este livro.

Uma mentira repetida muitas vezes pode ser verdade (Joseph Goebbels)?

Essa frase vem do triste período nazi. O livro fala também disso. Há uma componente política muito forte, é também sobre as mentiras que os políticos nos contam repetidas vezes e, de algum modo, acabam por se impor como verdades. Aliás, há uma parte do livro em que são só citações de vários líderes políticos, de diferentes épocas históricas, e que se percebe, da esquerda à direita, do Hitler ao pior terrorista árabe, que os discursos são sempre uma coisa que depois não corresponde à prática. Na abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, o Hitler fez um discurso pacifista, a esta distância, brutal, mas foi uma mentira que funcionou, pelo menos durante uns anos, enquanto não se tornou demasiado horrível. Foi uma mentira que funcionou como verdade.

Além de escritor, também é jornalista. De que modo é que o jornalismo influencia o seu ofício de escritor e vice-versa?

Influenciará, eventualmente, como uma certa forma de olhar o mundo que se tornou muito jornalística, à medida que eu ia exercendo a profissão. Mais importante do que isso foi o amadurecimento da escrita e o que o contacto diário com o manejo da língua me foi permitindo. Eu costumo fazer a comparação da capacidade de escrever com um músculo. E o jornalismo, no fundo, foi o ginásio onde eu fiz musculação para poder escrever e publicar ficção, e bastante novo. Eu comecei a publicar com 24, 25 anos. Nessa altura já tinha seis ou sete anos de jornalismo e, sem esses anos de musculação, isso não me tinha sido possível.

Por último, gostaria de pedir uma mensagem para novos escritores e jornalistas que queiram seguir o seu caminho.

O mais óbvio é: se têm esse sonho ou essa intenção, não desistam, porque as coisas nem sempre acontecem tão depressa como nós desejamos e, um dia, pode ser que as coisas aconteçam.