Três anos depois da maior tragédia da história do Japão, o acidente nuclear de Fukushima, a vida dos japoneses ainda não voltou ao normal. O maior desastre desde Chernobyl teve “consequências gravíssimas” a vários níveis. A água contaminada continua a ocupar mais volume e os trabalhos de descontaminação estão longe de acabar.

O desastre trouxe um “impacto de várias naturezas”. “Foi um desastre natural causado por um terramoto fortíssimo seguido de um maremoto que atingiu a costa do Japão. Apesar dos reatores terem sido construídos com a mais avançada tecnologia e de terem sido tomadas todas as precauções possíveis e imaginárias, o que aconteceu foi incrível”, refere Orfeu Bertolami, professor do departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP).

O acidente de Fukushima, no Japão – um país com forte cultura de planeamento -, veio fazer repensar a aposta na energia nuclear usada como forma de produção elétrica, por ter trazido “implicação a nível planetário, relativamente àqueles que pensavam que a energia nuclear era uma alternativa interessante. Todas as demonstrações fazem-nos querer que não é o caso, mesmo num país extremamente desenvolvido e com todas as precauções possíveis e imagináveis, a força da natureza mostrou que estamos aqui a lutar contra forças titânicas absolutamente impensáveis”, refere o professor catedrático.

A tragédia fez com que 150 mil pessoas fossem evacuadas e ainda hoje é impossível viver-se num raio de 10 a 20 quilómetros da central nuclear. “Um dos aspetos mais negativos é que ela tem impacto durante milhares e milhões de anos”, acrescenta Orfeu Bertolami. Apesar da gravidade, o professor deixa claro que “podia ter sido uma tragédia maior se algumas práticas não tivessem sido colocadas em andamento. O material radioativo era usado sistematicamente selado e colocado em regiões mais afastadas do reator principal”, uma prática incomum “noutras partes do mundo”.

Crise arrefeceu as vontades

A última vez em que se falou na hipótese de construção de um reator nuclear em Portugal foi em 2005, quando um grupo de investidores portugueses, liderado pelo empresário Patrick Monteiro de Barros, sugeriu a construção de uma central, num investimento a rondar os três mil milhões de euros.

De acordo com números oficiais, o acidente nuclear matou 1.607 pessoas. Mas os números não se ficam por aqui. Nos últimos três anos, morreram 1.656 pessoas devido às consequências do desastre.

“Portugal não está preparado para ter um reator nuclear”

À entrada de Lisboa, em Sacavém, existe, desde 1961, o único reator nuclear em território português. O projeto contou com o apoio dos Estados Unidos e foi financiado em 1 milhão de dólares. “O reator representa o começo da era nuclear na Europa. Os Estados Unidos estavam a ajudar os países mais periféricos a entrarem no nuclear e, portanto, financiavam pequenos reatores de investigação para treinar pessoas”.

António Sá Fonseca foi um dos vários bolseiros contratados nas universidades na década de 70. Hoje, o investigador em física nuclear é responsável pela Comissão Reguladora para a Segurança Nuclear. “O reator que existe em Sacavém não é um reator de potência”, explica, enquanto afasta qualquer possível comparação com o reator de Fukushima.

“Estamos a falar de reatores de um gigawatt, mil megawatts, comparado com um de um megawatt. Mesmo para investigação já é um reator relativamente limitado e pouco poderoso. Em termos de potência, é duas vezes e meio inferior à duma ventoinha que se usa por esse país fora”, esclarece António Sá Fonseca.

O investigador considera ainda que “Portugal não está preparado nem tem dimensão suficientemente grande para ter um reator nuclear”, para além de que, “em momentos de crise, não é razoável pensar numa coisa dessas”, uma vez que se trata de “um investimento muito caro e que demoraria cerca de dez a 15 anos a ser concretizado”. Como alternativa, António José Fonseca considera que “faria mais sentido ser parceiros a 30, 40% de um reator construído em Espanha, onde já têm toda uma estrutura montada para gerir e regular os reatores”.

O mais próximo dos oito reatores nucleares espanhóis situa-se em Almaraz, a cerca de cem quilómetros da fronteira, mas dificilmente algum dia representará um perigo para os portugueses, no caso de uma tragédia como a de Fukushima. “Depende do tipo de acidente, da quantidade de radiação libertada para a atmosfera, da orientação dos ventos, etc.. É mais provável que os ventos empurrassem as poeiras e contaminação para o lado da Espanha. Na pior das hipóteses, só caso o vento fosse de norte é que alcançariam Portugal”, conclui.