“Política Orçamental e Desigualdade de Rendimentos” é o nome do documento revelado há poucos dias pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que indica que Portugal foi terceiro na lista dos países com maior perda de rendimento disponíveis entre 2008 e 2012 (-6,3%, apenas atrás de Grécia, -11,9%, e Letónia, -9,1%).

A política de austeridade portuguesa teve o dobro do impacto nos 20% mais ricos em comparação com os 20% mais pobres. Enquanto os primeiros descontaram mais de 10% do rendimento, o desconto nos mais pobres foi de cerca de 5%.

“Toda a distribuição de rendimentos está feita no sentido de quem seja mais rico desconte mais. O facto de eles terem descontado nessa proporção está na linha daquilo que seria expectável”, esclarece Aurora Teixeira, professora da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), que frisa que as medidas de consolidação orçamental implementadas acabaram por ser mais prejudiciais para os mais pobres. “O problema com a crise foi que, quem estava no fim da pirâmide, perdeu muito poder de compra e isso, obviamente, fez exacerbar o fosso entre ricos e pobres”.

O relatório do FMI revela ainda que mais de metade do ajustamento em Portugal foi realizado com recurso a cortes nos salários e pensões dos funcionários públicos. “Não podemos querer mais emprego e mais salários, isso não é viável”, acrescenta a docente.

Aurora Teixeira considera que o reduzido espaço de tempo para o montante de despesa exigido colocaram o país com poucas alternativas. “A forma mais rápida para cumprir aquilo que estava estipulado no programa de ajustamento era cortar onde o Estado poderia ter mais facilidade em operacionalizar”.

Insistência no aumento da idade da reforma

Prevendo novos cortes para o futuro, no mesmo relatório, o FMI insiste na necessidade de aumentar a idade da reforma nos países desenvolvidos para uma melhor distribuição dos rendimentos. Visão partilhada por Aurora Teixeira, que considera que o “muito grande défice do sistema da segurança social” não permite ao país “pagar a toda a gente que é reformada na idade que atualmente é legal. Se queremos de alguma forma aligeirar o fardo que está sobre as gerações futuras, temos que necessariamente alargar essa idade da reforma”.

A organização de Christine Lagarde destaca ainda a importância do aumento dos impostos sobre a propriedade nas economias desenvolvidas. Mais uma das muitas “políticas avulsas e pontuais” que permitem abater rapidamente o défice mas não são suficientes para relançar a economia. “Os nossos credores, entre os quais o FMI, querem certificar-se de que nós conseguimos honrar os nossos compromissos e, portanto, a curto prazo, a questão da tributação serve-lhes perfeitamente”, explica Aurora Teixeira.

A docente conclui que cabe agora ao Estado “pensar além do FMI” e propor alternativas a médio/longo prazo que passem pelo ganho da competitividade e crescimento económico. “Para isso, é preciso fazer políticas integradas ao nível da educação e formação profissional. Uma parte substancial da nossa pouca competitividade e pouca produtividade tem a ver com o tipo de empresas que nós temos e o tipo de mão-de-obra que essas empresas podem contratar”.