O Brasil vive por esta altura dias frenéticos. Em contagem decrescente para o maior evento futebolístico do mundo, a sociedade brasileira continua descontente com as políticas de investimento do governo de Dilma Rousseff. Prova disso são as massivas manifestações realizadas ao longo dos últimos meses.

Nem os que estão longe deixam de sentir o caos vivido no país sul-americano. A comunidade brasileira em Portugal olha para estes acontecimentos com igual preocupação e para Renan de Souza, futebolista, as manifestações são legítimas “desde que sejam feitas pacificamente”. No entanto, Renan acredita que a violência em alguns protestos é causada por elementos ligados ao Governo, “pagos para fazer vandalismo”.

Ana Oliveira, estudante de Engenharia Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, afirma que o problema das manifestações é outro: “Perderam foco. Então as pessoas brigavam por tudo e por nada”, diz.

“A imagem do Brasil sai beneficiada” com manifestações

Por outro lado, o sociólogo João Teixeira Lopes acredita que os protestos podem ter implicações positivas na sociedade brasileira: “A imagem do Brasil sai beneficiada, porque mostra um país onde a sociedade civil é interveniente, é ativa, é crítica, é capaz de questionar os poderes instalados e creio que isso – para uma projeção internacional em que o Brasil surge como uma democracia intensa – é positivo”.

Teixeira Lopes acrescenta que estas manifestações são um paradoxo do Estado Social, que incrementa os níveis de escolaridade e o consequente aumento da mobilização social.

As manifestações tiveram início em junho de 2013, devido ao aumento do preço dos transportes públicos – em específico dos autocarros – e estenderam-se até ao presente, em resultado dos gastos avultados na preparação e nas infra-estruturas do Mundial. A imprensa vai noticiando as queixas dos nativos, que exigem melhorias na Saúde ou no Ensino.

Os brasileiros estabelecidos em Portugal partilham as opiniões dos seus conterrâneos: “Esses investimentos são uma falta de respeito para com o cidadão brasileiro. Nós vemos que o valor gasto num estádio, lá, dá para construir dois ou três dos melhores estádios cá, na Europa”, considera Matheus Ramiro, estudante de Desporto na Universidade do Porto.

Investimentos: estádios e outros males

O caso dos estádios é o mais referenciado. O Brasil organizará o Mundial em 12 estádios, em 12 estados diferentes, o que obrigará as equipas a longas deslocações e a que seja investido dinheiro em locais cujo retorno económico é para muitos duvidoso. O caso mais gritante é o do estádio Arena Amazónia, localizado em Manaus, no norte do Brasil, onde não existe qualquer equipa a disputar o campeonato principal brasileiro. Nesta obra foram investidos cerca de 205 milhões de euros (669 milhões de reais).

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Dados recentes publicados na imprensa brasileira revelam que dos 81 projetos de mobilidade urbana, portos e aeroportos apresentados pelo Governo apenas 15 estão concluídos. Apesar dos problemas, Adriana Matos, também estudante de Engenharia Industrial, acredita que “a Copa vai trazer benefícios para o Brasil, porque traz empregos e traz retornos económicos e culturais”.

No entanto, para Thiago Bonna, estudante de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, esta é uma questão sensível e acredita que será perigoso cair numa “elitização da Copa do Mundo”. Contudo, Thiago tem noção das implicações que o mundial poderá trazer, uma vez que “financeiramente e economicamente, é um problema real”, assume. “O dinheiro está a ser gasto como se estivesse sobrando e isso não é verdade”, diz convicto Renan de Souza. O problema é o dinheiro não ser gasto naquilo a que os brasileiros consideram essencial.

Rui Graça é português, está no Brasil há quatro anos e considera que o Brasil vai desperdiçar “uma oportunidade que, em outros países, serviu para revitalizar não só alguma economia, mas sobretudo algumas infra-estruturas básicas que qualquer país em desenvolvimento deveria considerar como fundamentais”. O descontentamento com os investimentos é galvanizado por outro fator: a corrupção. “O dinheiro que foi investido na Copa não seria investido nos hospitais: seria investido na Copa ou seria desviado. Então que seja investido na Copa”, garante Ana Oliveira. E acrescenta: “Dilma tem de investir, porque o país ainda não tem infra-estruturas para receber a Copa”.

Preços que aumentam, medos que se espalham

Dos dois lados do Atlântico fazem-se sentir as implicações práticas da realização do Mundial. Em Portugal, Matheus Ramiro conta que a taxa de câmbio da moeda foi um dos problemas mais sentidos. No Brasil, Rui Graça denuncia outro problema, retratado há semanas num programa televisivo brasileiro: “Foram identificadas tentativas de pessoas que têm miseráveis apartamentos, perto dos estádios, e que os põem na Internet a alugar, com fotos falsas, e que irão, seguramente, provocar muitos amargos de boca a quem já pagou autênticas fortunas. Alguns foram alugados por 60 mil reais por mês [cerca de 18.400 euros]”.

O alerta continua, para quando forem descobertos estes casos e as pessoas reclamarem o seu dinheiro: “Não vai haver justiça nessa altura porque o Brasil também aqui é um país sui generis”. Para o bem do país – e até do próprio espetáculo – espera-se que nos próximos três meses as evoluções sejam notórias, mesmo que o pessimismo reine entre as opiniões. “Esta Copa, como dizem lá, vai ser o maior roubo da história, no Brasil”, sentencia Renan de Souza.