Os contos tradicionais que conhecemos hoje começaram a ser contados a crianças e adultos em finais do século XVII. De boca em boca, chegaram ao século XIX, quando se materializaram em livros infantis.

Ainda hoje estes fazem parte do imaginário de crianças de todo o mundo, quer através dos livros ou dos filmes, já que os contos foram adaptados para o cinema pelas produções da Disney.

José António Gomes, professor de Literatura Infantil na Escola Superior de Educação do Porto (ESE), explica que as famosas estórias perduram até aos nossos dias pela importância das suas temáticas no desenvolvimento dos mais pequenos.

A psicanálise de Sigmund Freud, desenvolvida também por Bruno Bettelheim, procurou explicar esta influência. Esta teoria defende que os contos de fadas tradicionais têm uma dimensão simbólica, que transmite mensagens subliminares.

De acordo com José António Gomes, cada criança tem a sua própria interpretação do conto. Apesar de não terem consciência das mensagens subliminares, apercebem-se de que os contos lhes falam numa linguagem de símbolos, que são importantes para a sua maturação psicológica e social.

A história por detrás das estórias

O professor de Literatura Infantil dá a conhecer algumas mensagens que podemos retirar das estórias tradicionais. Por exemplo, “O Polegarzinho“, de Charles Perrault, incide sobre as dependências infantis e a conquista de autonomia. Já “Capuchinho Vermelho“, do mesmo autor, é um conto sobre a chegada das meninas à puberdade e procura alertá-las para as segundas intenções dos “lobos que andam por aí”.

No conto dos irmãos Grimm, a “Cinderela” que todos conhecemos não tem uma fada madrinha. Na verdade, ela plantou uma árvore na campa da mãe, onde rezava todos os dias. José António Gomes considera que este é um conto sobre o conflito edipiano e sobre a rivalidade fraternal. De facto, o lado mais sombrio do conto diz respeito às suas irmãs. Uma delas decidiu cortar os dedos dos pés para que o “sapatinho” de cristal lhe servisse.

Já no clássico de Hans Christian Andersen, “A Pequena Sereia“, como sabemos, faz um acordo com a bruxa do mar. A princesa só poderia permanecer humana caso encontrasse o beijo do verdadeiro amor e casasse com o príncipe. No entanto, na verdadeira estória, se não fosse bem sucedida, a pequena sereia teria de morrer. O príncipe acaba, efetivamente, por casar com outra mulher e a princesa atira-se ao mar, onde se transforma em espuma e acaba por morrer.

No conto de Giambattista Basile, “A Bela Adormecida” é encontrada no cimo da sua torre por um rei, que não a beija, mas viola. A princesa acaba por acordar meses depois, quando dá à luz. O rei acaba por voltar ao castelo, mas a sua rainha descobre que ele engravidou uma princesa e tenta queimá-la viva. Ainda assim, este conto acaba com um “felizes para sempre”, já que a rainha não foi bem sucedida. Para o professor da ESE, este continua a ser um conto de amor.

Também no conto “Rapunzel“, dos Irmãos Grimm, antes de fugirem juntos, o príncipe engravida a princesa e deixa-a na torre. A “bruxa má” apercebe-se disso e corta o cabelo de Rapunzel, deixando-a no deserto.

Depois de voltar à torre e de a feiticeira lhe dizer que nunca mais verá Rapunzel, o príncipe atira-se da janela em desespero e cai contra espinhos que o cegam. Este conto acaba por ter um final feliz, porque o príncipe encontra Rapunzel ao seguir a sua voz e as lágrimas da princesa curam a sua cegueira.

A Bela e o Monstro” é, provavelmente, a história mais fiel à realidade na sua adaptação ao cinema. A parte da estória que desconhecemos, e que se acredita constar na primeira versão do conto escrita por Gabrielle-Suzanne Barbot de Villeneuve, é que Bela tem duas irmãs maldosas.

Quando o monstro deixa que Bela volte a casa durante uma semana para visitar a família, as irmãs de Bela, por invejarem a sua vida luxuosa, tentam convencê-la a ficar por mais tempo em casa, para que, quando volte, o monstro fique furioso e a coma viva. José Gomes entende que, de acordo com a psicanálise, este é um conto sobre o conflito edipiano e a descoberta do amor.