As minas terrestres:

Parte 1: Meio século para a liberdade
Parte 2: “Há muitas realidades em Angola que não são do conhecimento do mundo”
Parte 3: HALO Trust celebra 25 anos a salvar vidas
Parte 4: Campanha mundial para a desminagem tem assinatura portuguesa

O problema das minas terrestres em Angola tem sido, pouco a pouco, combatido e tem assistido a alguns progressos significativos. “O Governo de Angola criou vários programas para reduzir o número de minas que existia em todo o território nacional”, explica Salvador Lourenço, salientando que, “depois da guerra, o Governo fez de Angola um canteiro de obras, sendo que, para almejar esses objetivos tinha que desminar o país”. Uma opinião partilhada pelo professor Maciel Santos, que destaca “o grande interesse na apropriação de terras” que hoje existe em Angola e que exige esta desminagem.

Desde 1996, as operadoras afetas à Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência em Angola (CNIDAH) desminaram mais de um bilhão de metros quadrados em Angola, de acordo com a informação avançada pelo Instituto Nacional de Desminagem (INAD), no final do mês de março.

Os registos mais recentes da CNIDAH referem que, em 2012, foram contabilizados nove mortos e 25 feridos provocados por minas terrestres, um registo inferior em relação a 2011, com 38 vítimas e 51 feridos, e semelhante a 2010, onde, ao todo, se registaram 42 ocorrências. Setenta e cinco por cento dos incidentes continuaram a envolver crianças. No plano de ação da CNIDAH constata-se um declínio no número de incidentes registado anualmente. Desde 2006 e até 2011 foram registados 433 incidentes, incluindo 77 mortos e mais de 350 feridos. Contudo, não foi um decréscimo linear e ficou muito longe de alcançar o objetivo do plano de reduzir o número de ocorrência para “quase zero”.

As minas encontram-se predominantemente nas vias de circulação, como estradas e pontes, “que o Governo queria reabilitar e que, de um ou outro modo, era obrigado a empregar um vasto programa de desminagem”, acrescenta Salvador, que destaca a reabilitação das grandes estradas nacionais e caminhos-de-ferro.

Para além da iniciativa do Governo e do contributo da Televisão Pública de Angola (TPA), as próprias populações têm tomado a iniciativa de participar no processo de desminagem. Em Kwanza-Norte, Salvador viveu este problema na primeira pessoa. “Já conheci pessoas vítimas das minas, já fui a programas, já participei em várias atividades organizadas no sentido de contribuir para a redução das minas e a consciencialização das pessoas. De um ou outro modo, ajudava também a sinalizar. Fui escuteiro participei na ajuda ou na colocação de sinais que identificavam zonas que provavelmente poderiam ter minas”, partilha.

“Não sei se o programa do Governo possa ser alcançado”

“Cabinda possui muitas zonas minadas, mas não do conhecimento da população como um todo, talvez do conhecimento só da população daquela região”. Vladimir Futy é da idade de Salvador. Em Portugal desde outubro de 2013, encontra-se a realizar o mestrado de Contabilidade e Finanças no Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP). O dia-a-dia que hoje vive é muito diferente do da província de Cabinda. “A forma como se fala de Angola, aqui em Portugal, muitas das vezes não é a correta. Existem muitas realidades em Angola que, por causa do próprio sistema e próprio regime, não são do conhecimento do mundo”.

O que é Cabinda?

Cabinda é uma das 18 províncias que constituem Angola, a única separada geograficamente do norte do país. Território avassalado, debaixo do protetorado português, foi pacífico até aos anos 60, altura em que Cabinda tornou-se a primeira grande região petrolífera de Angola. “Isso e o facto de ter havido ali uma espécie de fusão arbitrária de Cabinda com os restantes territórios de Angola, levou a movimentos de independência autónomos”, explica o professor Maciel Santos, destacando o Acordo de Alvor, que previu a independência de Angola, onde a FLEC não foi convidada. “As populações de Cabinda estão, do ponto de vista cultural, muito mais próximas da população do Congo, à volta, do que da maior parte das populações de Angola”, conclui.

Vladimir é um dos 265 mil cabindas que vivem na província. As minas, colocadas aquando da guerra, espalham-se por todos os quatro munícipes do enclave a norte de Angola. Atualmente, estão identificadas 14 áreas suspeitas de minas, um dos números mais baixos em comparação com as restantes províncias. “Pretende-se que as populações tenham acesso à água, que haja melhoria das vias de acesso e um reassentamento das populações”, explica o estudante.

Uma vez que “um objeto estranho pode significar o fim de uma vida”, o estudante reconhece que o Governo tem “promovido ações sociais no sentido de sensibilizar as populações para que tenham um maior cuidado com o que possam encontrar”, contudo, para que o processo de desminagem decorra sem limitações, é necessário um clima de paz nas regiões minadas. Situação que não se verifica em Cabinda, onde “ainda existem bolsas de resistência”, neste caso, a Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), que, desde a década de 60, combate o Governo de Angola por uma independência para o território.

“A luta de guerrilha é a mais complicada que existe. Hoje são atacados, amanhã não são e nunca se sabe mais ou menos quando vai haver um ataque. A FLEC está, neste momento, nas matas a combater o Governo de Angola”, denuncia Vladimir. Enquanto a Floresta do Maiombe for palco destes confrontos e a FLEC continuar a operar, o estudante mantém reservas aos planos de desminagem na região. “Não sei se este programa do Governo possa ser alcançado”.

“A grande diplomacia internacional não se vai comover com a situação de Cabinda”

Em relação ao futuro de Cabinda, Vladimir considera a via do referendo como a solução mais adequada para prevenir um novo conflito. “Tendo em conta o estatuto da província enquanto fornecedor de uma das maiores riquezas para o desenvolvimento de Angola, o desenvolvimento é escasso. Não faz sentido uma região tão rica em termos de recursos estar da forma como está”, desabafa o estudante.

“Se Cabinda fosse independente, ficava com uma renda per capita semelhante ao do Kuwait”

O professor Maciel Santos, do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP), admite que a independência de Cabinda traria outros benefícios à região: “Atendendo à riqueza que produz e à população que tem, Cabinda ficava com uma renda per capita semelhante ao do Kuwait”. Ainda assim, comparando o enclave com o resto da população de Angola, “não podemos dizer que Cabinda esteja abaixo da média”, explica o professor, enquanto compara o nível de vida do enclave com os musseques da capital Luanda.

O desfecho, através de um referendo, é um cenário impossível de concretizar, para Maciel Santos. Além da incapacidade militar da FLEC, os interesses das grandes multinacionais no petróleo de Angola, o segundo maior produtor de África a seguir à Nigéria, “dificilmente vai legitimar qualquer força de oposição, inclusive de Cabinda”. Assim sendo, os “residuais” movimentos da FLEC “continuarão a ter algum eco em alguns pequenos fóruns internacionais, mas a grande diplomacia internacional não se vai comover com a situação de Cabinda”, conclui o professor.