Entre 24 de março de 1999 e 10 de junho do mesmo ano, a NATO (Organização do Tratado Atlântico Norte) avançou unilateralmente para o bombardeamento da antiga República Federal da Jugoslávia, que, à data, para além da Sérvia, continha ainda o Montenegro. “A justificação oficial da intervenção da NATO teve como base questões humanitárias”, lembra Teresa Cierco, especialista em questões sobre os Balcãs ocidentais.

Kosovo, o centro do conflito

O Kosovo é uma região essencialmente montanhosa do sul da Sérvia. Atualmente, a maioria (cerca de 90%) da população é albanesa, sendo que uma pequena parte do norte da região é composta maioritariamente por sérvios. Ao longo da história tem sido uma região disputada, como explica Teresa Cierco. Simão Matos afirma que “o Kosovo não tinha uma identidade própria a não ser uma identidade que era sérvia”, e que, apesar dos excessos assumidos por Matos, “a Sérvia estava a defender as raízes da sua nacionalidade, as suas raízes históricas”.

As questões humanitárias mencionadas estavam relacionadas com o Kosovo, território maioritariamente composto por albaneses que se afirma independente, mas que a Sérvia reivindica como seu. Em 1999, a guerra no Kosovo já estava em marcha e opunha as forças sérvias lideradas por Slobodan Milosevic ao UÇK, sigla albanesa do Exército Libertador do Kosovo.”Crimes foram praticados de parte a parte, e, seguramente, muito mais sérvios sobre kosovares”, lembra Manuel Loff, especialista em Relações Internacionais. O conflito também causou mais de um milhão de refugiados, quer sérvios quer kosovares.

“Todos os confrontos têm que ser resolvidos pela via diplomática”, diz Simão Matos, cônsul honorário da República da Sérvia no Porto. Matos crê que, “no momento em que se realizou, talvez não se justificasse”, mas considera que a intervenção pode ter contribuído para a aproximação à Europa “de todo aquele conjunto de países que formavam a ex-Jugoslávia”. Isto apesar de, “obviamente”, terem existido “excessos e erros de parte a parte”.

Apesar de a guerra ser no Kosovo, a NATO avançou para o bombardeamento aéreo de muitas cidades do território da Jugoslávia. A capital, Belgrado, foi das mais afetadas, com vários edifícios atingidos. Pelo país, várias pontes e outras infraestruturas, como refinarias, instalações militares e até escolas ou centros hospitalares foram danificados. De acordo com a Human Rights Watch, cerca de 500 civis faleceram nos ataques. Teresa Cierco crê que a dispersão dos bombardeamentos não se justificava, apesar de ter posto fim à guerra no Kosovo.

O precedente do Kosovo

O Kosovo tem sido usado como exemplo por parte da Rússia para justificar a ação na Crimeia. “O Ocidente, na divisão da Jugoslávia, decidiu assumir a atitude que diz agora assumir na divisão da antiga União Soviética, que é a de que as fronteiras internas desses Estados devem ser mantidas como fronteiras definitivas”, lembra Loff. O precedente aberto pelo Kosovo é esse, argumenta. “O Ocidente deixou de cumprir os seus princípios no caso do Kosovo”, o que faz com que os russos, “cínica ou não cinicamente”, tenham razão.

Manuel Loff crê que “o objetivo da NATO no Kosovo era, como foi na Bósnia, entrar com uma forte posição nos Balcãs”, onde a Rússia sempre teve uma influência forte. E apesar de considerar que “se conseguiu uma nova paz”, crê que esta resolução do conflito “deixou cicatrizes abertas e um problema que pode estourar a qualquer momento”.

O Kosovo proclamou a sua independência em 2008 e já foi reconhecido por grande parte do Ocidente, Portugal incluído. Mas os sérvios ainda consideram o território como parte integrante do seu país e não reconhecerão o Kosovo como independente, pensa Loff: “Não acredito muito, ainda por cima nos próximos anos. Desde 1989 que nós vivemos um renascimento evidente do nacionalismo, e eu diria do pior nacionalismo, à escala da Europa”. Teresa Cierco corrobora: “Estes povos nos Balcãs são muito nacionalistas e, em tempos de uma situação tal como a que encontramos hoje em termos de conjuntura, é muito complicado aceitar perdas de território num Estado”.

E a população também não admite esse cenário, realça Cierco: “Houve inquéritos já feitos à opinião pública em que diziam que se o pagamento da entrada na União Europeia for a perda do Kosovo, preferem não entrar na União Europeia”. Ainda assim, nos últimos anos tem existido alguma cooperação entre Sérvia e Kosovo.

União Europeia: O futuro?

Nos últimos anos, a Sérvia tem-se aproximado da União Europeia. Simão Matos considera que passados 15 anos a Sérvia mantém “a sua identidade cultural e religiosa”, mas “houve uma grande evolução em termos do querer e sentir do povo sérvio, nomeadamente no que diz respeito a querer ser um país verdadeiramente europeu”. A União Europeia é vista como uma “vantagem política, vantagem cultural e vantagem económica” pela administração sérvia, assegura.

Aniversário da NATO

A NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) faz nesta sexta-feira 65 anos. Portugal foi um dos membros fundadores. Desde a intervenção na Jugoslávia, as mais mediáticas ações militares foram no Afeganistão e Iraque. Manuel Loff considera que a linha da NATO “agravou” desde 1999. “Um agravamento brutal, uma escalada absolutamente notória relativamente àquilo que tinha acontecido no Kosovo”. Mais recentemente, com autorização das Nações Unidas, bombardeou a Líbia, em 2011. Atualmente, a Sérvia participa com a NATO na Parceria para a Paz. Simão Matos considera que a aliança “tem feito um contributo para que a Europa seja mais Europa”.

Manuel Loff crê que não é bem assim. “Na generalidade dos casos falamos de elites políticas pós-comunistas” que “querem da União Europeia dinheiro, mas não querem coordenação política”. Loff afirma que essas elites políticas “são os mal chamados pró-europeus da Sérvia, como os pró-europeus da Croácia”, e que nestes países “não há nenhuma vontade em fazer parte de um bloco político no qual um conjunto de valores e de políticas à escala europeia seja mantido”.

Teresa Cierco lembra que a União Europeia já dá praticamente “a volta àquele território”, e que “a tendência é todos os Estados acabarem por entrar na União Europeia, mais tarde ou mais cedo”. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer em diversos assuntos, não apenas relacionados com o Kosovo.

Uma coisa é certa: a esmagadora vitória nas recentes eleições legislativas por parte da coligação liderada pelo Partido Progressista Sérvio, que obteve 158 dos 250 lugares do Parlamento (a segunda coligação mais votada obteve apenas 44 lugares), indica que o país continuará a seguir uma lógica de cooperação com a União Europeia. Mesmo tendo em conta que a situação do Kosovo permanecerá “num limbo”, prevê Loff.