Foi nas eleições de 2010 que Viktor Orban, do partido de extrema-direita Fidesz, assumiu o poder na Hungria, com uma conquista de dois terços do Parlamento. Essa vasta maioria permitiu-lhe fazer sucessivas alterações à Constituição (ver caixa), o que despoletou acusações, por parte da comunidade, quanto ao deterioramento do Estado de direito naquele país.

Rui Tavares, eurodeputado português independente, elaborou um relatório, em julho de 2013, que detalhava uma crescente corrupção da saúde democrática na Hungria e uma “situação de incompatibilidade com os valores do Artigo 2.º do tratado da União Europeia”, que defende o respeito pela dignidade humana, democracia, Estado de direito, liberdade, igualdade e respeito pelos direitos humanos, “incluindo as pessoas oriundas das minorias”.

Alterações à Constituição

De uma forma ou de outra, o Fidesz procurou obter sempre uma vantagem para si com as sucessivas emendas constitucionais. A maior prende-se com uma desautorização do Tribunal Constitucional, permitindo ao Governo reconfigurar a lei fundamental daquele país. De seguida, baixou a idade da reforma dos juízes de maneira a afastar aqueles que não estão alinhados com os objetivos da administração.

As restantes alterações prenderam-se com táticas para sabotar a influência da oposição. Desde uma restrição da realização de comícios a certos espaços controlados pelo Governo, até à proíbição de afixação de propaganda política (da qual as publicações “simpatizantes” com o Governo estão excluídas), a capacidade de mobilização dos partidos da oposição tem sido severamente afetada.

Ao JPN, Rui Tavares assegura que continua a acompanhar a situação na Hungria, até pela responsabilidade que trouxe para si com a elaboração desse relatório. Na altura da publicação do documento, levantou-se a possibilidade de acionar o Artigo 7.º do Tratado da União Europeia, que retira o direito de voto a um Estado-membro. Mas Rui Tavares acredita que essa medida “poderá ou não encorajar esse país a melhorar a situação do seu Estado de direito, sendo que se poderá sentir isolado e até reagir com algum exacerbamento desses fatores”.

A conclusão de Rui Tavares e de outros observadores comunitários é a de que, no caso da Hungria, embora ainda não haja repressão ativa, trata-se de “um país que se está a afastar da normalidade europeia por ação do seu Governo, não pela ação do seu povo nem dos seus cidadãos, mas por aquilo que o seu Governo fez”. “O Governo fez centenas de alterações legislativas, algumas dezenas de alterações constitucionais e mais de 90% dessas alterações foram sempre no sentido de concentrar poder no Governo e no partido maioritário”, afirma.

As eleições

Para além das já referidas alterações à Constituição, estas eleições vão ter lugar no enquadramento que Viktor Orban desenhou com a alteração à Lei Eleitoral em finais de 2013. Rui Tavares descreve a situação da campanha como irregular, sobretudo no acesso ao espaço publicitário. Duas das mais contundentes alterações ao modo como as eleições se processam naquele jovem país democrático prendem-se com a possibilidade de residentes no estrangeiro poderem votar e com a redefinição dos critérios para eleição de deputados.

Pela primeira vez, húngaros que residam no estrangeiro, mas que possuam também uma morada na Hungria, poderão votar nestas eleições, desde que o seu pedido seja aprovado pelas autoridades. Assim, espera-se que a esmagadora maioria dos votos vá para o Fidesz. Por outro lado, a eleição de deputados por partidos em coligação está dificultada, já que, por cada partido que integre uma coligação, o número de votos necessários para conquistar um assento no Parlamento será maior. Esta será uma estratégia direcionada à Unidade Aliança, um novo bloco que coliga os cinco maiores partidos de Esquerda. Desta forma, o Fidesz nem sequer precisa da maioria dos votos para conseguir manter a liderança.

Rui Tavares escusa-se a tecer prognósticos sobre os resultados destas eleições, tendo em conta o seu estatuto enquanto observador. No entanto, assume que o caso húngaro é muito menos conhecido do que deveria ser. E aponta uma cuidada estratégia de agenda como a possível causa para uma falta de atenção dos media para este assunto.