Nos trilhos da história portuguesa, a emigração é um atalho recorrente. Aqui e acolá, por todo o mundo, acabaram por nascer muitas crianças, filhos de emigrantes. São portugueses de segunda geração – às vezes terceira. Conhecem o país contado pelos pais e numa língua que nem sempre é a portuguesa. É o caso de Dina Moreira. Com 34 anos, é em francês que pergunta ao pai como explicar o peso de cada uma das bandeiras na sua personalidade: “Não sei bem. Para mim é metade, metade”, diz.

Para além do pai, foi em França, curiosamente, que encontrou a sua outra metade portuguesa. “O meu namorado é totalmente português. A mãe e o pai são portugueses”, diz. Para Dina, Portugal não tem a mesma importância que tem para o pai, até porque ele “é que nasceu lá”, refere.

Uma realidade distante que se aproxima nas conversas sobre uma mocidade bem portuguesa. “Fala-me da vida lá, de quando era pequenino, dessas coisas”, conta. Viver um dia em Portugal não faz parte do final da história. Dina desconfia mesmo que se tivesse nascido em terra à beira mar plantada “tinha feito igual e vindo para França. Em Portugal está um bocado mau”, remata.

Longe da vista, longe do coração?

Denise já migrou com destino às origens, mas acabou por regressar ao Canadá, país onde nasceu e hoje tem família. “Em Portugal, ou tens um trabalho razoável ou não dá. Mesmo quando eu estava aí era difícil encontrar trabalho”, justifica. Em casa fala-se português e vive-se em regime de dupla nacionalidade até à terceira geração. A educação dos filhos desenvolve-se naturalmente a partir da raiz luso-canadiana, até porque “não há muitas diferenças”.

Da terra dos pais, guarda com carinho as memórias das férias que passava debaixo do sol, mas é no frio do continente norte-americano que se sente em casa. “Sinto-me mais canadiana do que portuguesa. Nasci cá, estudei cá e tenho os meus amigos”, confessa.

Mas será que as características do terreno onde nascemos são mais importantes do que as sementes de quem nos cria? No caso de Kátia Pinhal, as influências dos pais deram os seus frutos. O otimismo vem de família e a “boa disposição e divertimento vêm do lado português”. Quando precisa de tempo para estar sozinha “liga o modo” luxemburguês, mas os pensamentos onde se perde são sempre feitos na língua de Camões.

Só para lusodescendentes

Os International Portuguese Music Awards reconhecem e premeiam artistas internacionais de ascendência portuguesa, a trabalhar na indústria musical. A cerimónia deste ano decorreu a 22 de março, em Massachusetts (EUA) e foi emitida pela RTP Internacional. A organização recebeu cerca de 400 candidaturas, de mais de dez países.

No entanto, segundo o Observatório de Lusodescendentes, muitos destes já não têm tanto traquejo no português. A solução passaria por um maior investimento do Estado português, pois “essa ligação emocional tem de ser alimentada”, como nos diz Emmanuelle Afonso, presidente do Observatório de Lusodescendentes.

Os pais de Kátia não descobriram o Luxemburgo, mas também partiram à descoberta. “Foi mais uma aventura. Gostaram de estar aqui e acabaram por ficar mais uns tempos.” Mais de vinte anos depois, a mesa ainda se enche com os pratos típicos portugueses.

A gastronomia é uma das singularidades portuguesas que mais marca os filhos de emigrantes. Também Alcindo Mesquita se lembra da mesa portuguesa na casa americana. A mãe emigrou para os Estados Unidos em 1964 e o pai em 1974, quando se casaram. Alcindo cresceu numa dualidade de culturas, entre a sociedade americana e a comunidade portuguesa de que era próximo. Da infância recorda especialmente a celebração do Dia de Portugal.

Anos passados, garante que ainda se sente mais português do que americano em certos aspetos e espera que o filho, que está para nascer, aprenda a língua dos seus avós e conheça o ser português que está no seu ADN.

Duas irmãs, três países

A partir dos anos 50, sob mão de ferro de Salazar, muitos passaram as fronteiras “a salto” – a expressão popular para “clandestinamente”. Foi assim que Armindo Lopes chegou a França. Já casado, legalizou-se e construiu família no país da “liberté, égalité et fraternité”.

As suas filhas, Isabel e Eugénia, cresceram como franco-portuguesas e não foram exceções. A média anual de nascimentos de crianças de origem portuguesa em solo francês até aos anos 80 era de cerca de 20 mil.

Um filme francês bem português

O filme “A Gaiola Dourada” retrata a comunidade de emigrantes portugueses em França. Realizado por Rúben Alves, também ele lusodescendente, o filme foi o mais visto em Portugal, em 2013, e contou com 1,5 milhões de espetadores em França. O jovem realizador disse ter utilizado a sua experiência pessoal para as personagens e histórias. Rúben Alves mostra-se orgulhoso das suas raízes e confessa mesmo “que tinha de contar esta história tão portuguesa”. Contudo, garante que conhece quem tenha vergonha e desinteresse pelas origens portuguesas.

As irmãs levavam uma vida “à francesa”, mas conheciam de perto a cultura portuguesa. Eugénia explica que falavam a língua dos pais diariamente e as refeições em casa eram inspiradas na cozinha das avós. Todos os anos, a família visitava Portugal. Para Eugénia e Isabel, o país dos pais era sinónimo de férias, sol, praia e mar, mas principalmente de família acolhedora.

Já adultas, construíram as suas próprias famílias e deixaram de visitar o país dos pais com a mesma frequência. O marido e os filhos de Isabel são franceses e é assim que a irmã mais velha se sente também: “Eu nasci aqui e não conheço a vida em Portugal foras das férias”, afirma. No entanto, Isabel arrepende-se de não ter ensinado a língua portuguesa aos filhos, que gostam de visitar a família em terras lusas.

Eugénia casou-se e mudou-se para o Brasil. É com “português açucarado” que nos explica o que guarda da cultura portuguesa: “A comida é portuguesa. Mas o mas importante é a educação. Tenho um filho e ele tem uma educação rígida, típica de Portugal”. Atualmente, Eugénia vive numa mistura de cultura portuguesa e brasileira, mas não francesa.

As duas irmãs, à distância, procuram não perder o contacto. O seu maior aliado, tal como para a maioria dos lusodescendentes, é a tecnologia, que lhes permite não perder laços entre si, a família e as portugalidades.

Mais do que números, uma marca portuguesa

Costuma-se dizer que em qualquer lado do mundo há um português. Os números confirmam a sabedoria popular: 35 milhões de portugueses, até à terceira geração, estão aí, algures pelo mundo.

Estamos na geração dos lusodescendentes. Ainda que a primeira debandada de emigrantes esteja a diminuir, o número de pessoas da segunda e terceira gerações continua a crescer. Para que estas não percam a marca lusitana, “há que arranjar estratégias para ligar estas pessoas a Portugal”, como nos diz Emmanuelle Afonso.

Aqui e acolá, o objetivo é que a veia lusitana não deixe de fazer parte desta biculturalidade. Quanto aos números, que Portugal não deixe de ser um dos dois países a residir em cada um. E quem diz dois, diz três ou quatro, pois para o português há sempre espaço para mais um na mesa.