Numa conversa informal sobre jornalismo cultural, os oradores que estiveram presentes, nesta terça-feira, na Casa Allen, no Porto, no contexto dos 100 anos de Marguerite Duras, partilharam a sua experiência como jornalistas e abordaram as principais diferenças na arte da entrevista. Anabela Mota Ribeiro, freelancer no jornal Público e no Jornal de Negócios, dedica-se, principalmente, à grande entrevista. Já Carlos Rico, jornalista da SIC, faz parte da equipa do segmento “Grande Reportagem“.

A sessão iniciou-se com a pragmática: “Qual seria a primeira pergunta numa conversa com Marguerite Duras?”. A escritora francesa é considerada, por Anabela Mota Ribeiro, “uma muito misteriosa criatura (…) que se expõe ao mesmo tempo que se esconde”. Por um lado, a entrevistadora tentaria desvendar o seu silêncio deixando a conversa fluir: “De que me quer falar? O que se passa no seu mundo?”. Por outro lado, Carlos Rico tentaria compreender se a literatura alguma vez a ajudou a enterrar os seus fantasmas de infância.

Abril Duras no Porto

A próxima iniciativa, “Indicação para se perder”, é um espetáculo de Teresa Coutinho e Constança Carvalho Homem. O evento decorre às 21h30, de 11 a 13 de abril, na Mala Voadora. A entrada tem um custo de cinco euros.

Rapidamente a conversa seguiu um rumo mais intimista, no qual os jornalistas partilharam histórias do seu percurso. Carlos Rico recordou a primeira vez em que entrevistou um escritor, João Aguiar, acerca do lançamento do livro “O Trono do Altíssimo”. Com apenas um dia para preparar a entrevista, Rico, já sem tempo para ler o livro, decidiu, no momento da entrevista, optar pela sinceridade e explicar que não conhecia a obra do escritor. “Ele percebeu a minha inexperiência, o meu pânico e ajudou-me a conduzir a entrevista”, contou.

O diálogo seguiu com a arte da entrevista, numa tentativa de compreender como uma ideia pré-concebida de um entrevistado se transforma através da imagem, do cenário e do jornalista como mediador. Anabela Mota Ribeiro mostrou que é preciso levar da melhor forma o entrevistado ao leitor, tentando não manipular o retrato. Mesmo assim, confessa que “o jornalista, depois de ter sido manipulado pelo entrevistado, pode manipular a entrevista”.

Um conselho

Em jeito de conselho, Anabela Mota Ribeiro revelou que, por vezes, “é preciso desconcertar o entrevistado”, para que a conversa seja mais natural. “Não gosto que a entrevista pareça um questionário”, afirma. Um outro hábito adquirido através da experiência é não se preparar demasiado: “Preparo-me bastante, mas não quero mostrar que sei tudo sobre a pessoa”.

Habituada a fazer grandes entrevistas, Anabela Mota Ribeiro diz que o fator tempo é crucial. “As minhas entrevistas demoram, em média, uma hora e meia, ou duas. Em minutos, as pessoas ficam embarcadas na conversa”. A jornalista refere que é preciso dar tempo às pessoas para se ambientarem à “presença de intruso” do jornalista. Anabela Mota Ribeiro confessa que não gosta de entrevistar, por exemplo, um ator na promoção de um filme, em que o tempo está limitado, muitas das vezes, a cerca de 15 minutos.

Durante a partilha de experiências, Agustina Bessa Luís foi elo de ligação entre os jornalistas, que recordaram a “humanidade e generosidade” da escritora. Os oradores mostraram uma grande admiração pelo facto de Bessa Luís sempre se ter mostrado genuína e com “uma curiosidade e interesse invulgares”.

A cobertura jornalística cultural em debate

Durante o encontro debateu-se, ainda, o panorama do jornalismo cultural em Portugal. Carlos Rico sublinhou o facto de, em muitas publicações, a editoria “Cultura” ter sido colocada em segundo plano, para dar lugar ao entretenimento. Contudo, os jornalistas reforçam a importância do papel desta editoria na sociedade. Abordou-se, também, a falta de investimentos, de jornalistas especializados e a prevalência da lógica das audiências, não deixando espaço para novas vozes.

Esta é uma das várias iniciativas de “Abril Duras no Porto”, promovidas pelo Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (ILCML) a decorrer de 2 a 30 de abril em vários espaços da cidade.