Há quem congele momentos. Há quem os eternize: o fotojornalista. A teleobjetiva deve focar a informação, no entanto, deve haver uma “grande angular”, capaz de a complementar com estética que “prende a atenção do leitor”, explicou Fernando Veludo, esta terça-feira, na conferência “FotoReportagem”, no âmbito do Mestrado em Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

Com os avanços tecnológicos é cada vez mais fácil fazer “cliques” aos acontecimentos do dia, mas “a fotografia é muito mais do que isso”. Um fotojornalista transforma tudo “em linhas e formas” e não há tempo para ter medo. “Há experiências fantásticas que vamos tendo, umas melhores, outras piores, outras más”. No entanto, por vezes, é necessário afastar emoções, porque “não podemos ficar iludidos e apaixonados naquele momento só pela experiência. Temos que perceber o que estamos ali a fazer e, se estamos a trabalhar, temos que nos concentrar”.

Em cima do momento, mas não do escadote

A certo ponto da conferência, Fernando Veludo relembrou a frase de Robert Capa: “Se a tua fotografia não está boa é porque não estás suficientemente perto”. Contudo, há quem se chegue perto demais. Em Vila Real, durante um ato eleitoral, um colaborador em início de carreira, mas com muito potencial fotográfico, entrou sem autorização num local de crime e fez fotografias fantásticas em relação a outros jornais. No entanto, quando Fernando Veludo ligou para o fotógrafo para lhe desejar os parabéns, perguntou-lhe como o conseguiu. “Estava uma janela aberta, eu peguei num escadote, subi e tirei as fotos”, respondeu o autor das fotografias. Do outro lado da linha: “Epá, no jornalismo não vale tudo!”

É isto que “faz a diferença de um bom jornalista para um mau jornalista”, numa profissão em que “não vale tudo” (ver caixa) e onde os pormenores acabam por fazer a diferença, “a foto”. Por exemplo, “num incêndio, se chegas um pouquinho mais tarde já não vais fazer as chamas, que é aquilo que causa mais impacto”, explica Fernando Veludo.

Para o fotojornalista, as regras da estética nem sempre devem prevalecer. A “linha do horizonte” ou as “linhas convergentes” dão, por vezes, lugar a “fotografias cheias de erros, mas com um simbolismo fantástico”, explica Veludo, destacando Robert Capa e a fotografia do Dia D. A imagem dos militares a sair da água não é nítida, mas “a informação da notícia está lá, está percetível e isso é o que prevalece”.

Hoje em dia, marcar a diferença passa por estar atento, por “disparar no momento em que os outros não disparam”, mesmo quando “dezenas de jornais e canais de televisão limitam-nos ao espaço”. É neste sentido que o fotojornalista adota “o estilo árvore de Natal”, uma vez que “andar sempre com a câmara é fundamental para não perder o momento”.

Ainda assim, Fernando Veludo considera que “só alguns de nós, poucos no mundo, conseguem tirar ‘a foto’, aquilo que fica como um ícone”. “Estou-me a lembrar de Che Guevara, aquela fotografia que foi tirada num comício”, acrescenta, relembrando que “cada cultura valoriza uma série de parâmetros que, se calhar, a nossa cultura já o ultrapassou”.

“Em termos de língua, sim, é universal, mas, na sua interpretação, se calhar não é tão universal como parece. Nós aqui ficamos chocados quando há um acidente e aparece o corpo de alguém totalmente exposto. Mas, por exemplo, para uma zona de Timor, eles matam, cortam a cabeça, mostram e fotografam. É uma coisa cultural, mas, para nós, é uma coisa impensável”.

O foco em Portugal: campo de visão cada vez mais apertado

Para Fernando Veludo, por cá, apenas Alfredo Cunha tem “a foto“. Em Portugal, o fotojornalismo vai enfrentando as ameaças da “contraluz” quotidiana. “O jornalismo, hoje em dia, realmente não está fácil. Todas as empresas estão a tentar diminuir o número de profissionais nas redações”, considera, salientando também que fotojornalismo “só se faz bem nas agências noticiosas”. “Depende do órgão de comunicação em que estamos a trabalhar. Nos jornais, mesmo de referência, não é o fotojornalismo de hard news. Se estamos a trabalhar para uma agência de notícias, a fotografia tem que ser informativa, muito mais direta”, acrescenta.

Para além destes cortes, o fotojornalista considera que as ameaças à profissão advêm também da própria inovação tecnológica, que obrigará a uma adaptação aos novos suportes. “O facto do vídeo estar cada vez mais acessível vai fazer com que, um dia, se faça fotojornalismo em vídeo. Não sei se será videojornalismo, nessa altura, mas o fotojornalismo, tal e qual o conhecemos, está quase a ficar fotojornalismo de museu”, explica.

Fotojornalista profissional desde 1988, Fernando Veludo trabalhou para o Expresso e para o Público antes de criar o projeto de jornalismo “nFACTOS“, empresa que se dedica à produção de trabalhos jornalísticos multimédia para rádio, televisão, imprensa e conteúdos informativos para a Internet.

A conferência integrou-se nos Seminários de Jornalismo Especializado, realizados no Pólo de Ciências da Comunicação da UP. O ciclo encerra a 13 de maio, com Alfredo Maia, jornalista do Jornal de Notícias, puma palestra dedicada a “Jornalismo e Ambiente”.