O dia de 25 de abril de 1974 ficará nos livros de História como a data em que a ditadura de Salazar e Caetano caiu. Mas a revolução não foi de um dia só. A liberdade não apareceu de forma repentina. Durante anos cresceu o inconformismo e a inquietação com os dissabores da censura, da guerra colonial e de um regime totalitário. A rádio foi, para muitos, uma flor no deserto, um cravo a querer nascer.

Adelino Gomes era um dos inconformados: “Havia um grupo, que era mais ou menos a minha geração, que se sentia inconformado com o regime e que lutava pela liberdade de expressão, mas não tinha organização partidária a que estivesse ligado. E depois havia muitos que eram indiferentes”. Mesmo longe, a indiferença não foi palavra para Manuel Tomáz. Em 1972, dois anos antes da revolução, trabalhava na Rádio Clube de Moçambique, com Leite de Vasconcelos e Eugénio Côrte-Real. O período marcelista anunciava uma abertura do regime, mas, após uma entrevista ao poeta Jorge de Sena ser censurada, abandonaram África.

Antecedentes: o Nascimento do “Limite”

Os contactos com os movimentos de libertação levaram-nos primeiro a Barcelona e, depois, a Londres, onde receberam um incentivo para continuarem o trabalho em Lisboa: “Fomos a Londres em contactos com os responsáveis do movimento de libertação e aí a coordenadora dessa área disse-nos: ‘Nós sabemos exatamente o trabalho que vocês estão a fazer em Moçambique, queremos que vocês continuem, se não se importam, a fazer o mesmo em Portugal'”.

Em finais de 1972, Manuel Tomáz regressava a Portugal, depois de um telex de Leite de Vasconcelos. Havia um espaço vago, da meia-noite às duas da manhã, na Rádio Renascença. Concorreram e, a 8 de junho de 1973, nascia o “Limite”. O nome elucidava as intenções. Nas emissões das madrugadas na Renascença desfilavam textos e músicas de intervenção e o número de ouvintes crescia. O “Limite”, antes de ser um dos protagonistas do dia da revolução, já despertava a consciência de quem, de madrugada, se dedicava a ouvir a multiplicidade de vozes. A censura era desafiada todas as vezes que o programa ia para o ar, mas os responsáveis sabiam que os limites não eram só pensados do lado da emissão.

Antecedentes: As primeiras movimentações

Manuel Tomáz habituou-se a ver, na tropa, a indignação a crescer: “Havia movimentações de insatisfação da parte dos jovens capitães. Tinham os seus empregos, mas eram mal-pagos e a guerra do Ultramar estava a solicitá-los. A guerra estava a delapidar as famílias”. A 16 de março os militares das Caldas da Rainha tentaram iniciar um primeiro movimento revolucionário que falhou. A liberdade era um pedido feito a uma voz cada vez mais intensa. Dias depois, Manuel Tomáz e José Videira, técnicos da Renascença, gravavam o primeiro encontro da Canção Popular, num Coliseu dos Recreios completamente cheio, que albergou inúmeros cantores de intervenção e onde “Grândola, Vila Morena” entoou a uma só voz.

A revolução tornava-se, a cada passo, uma inevitabilidade. No meio militar, um movimento de capitães preparava um levantamento cujo objetivo era a deposição dos órgãos do poder e o derrube de um regime ditatorial. Para a concretização de tal intenção seria necessário uma unidade. Era preciso chegar a vários pontos do país. Era necessário, através de senhas, emitir ordens de comunicação que passassem despercebidas aos sistemas de repressão. Era necessário um meio que ultrapassasse a esfera militar e que colhesse simpatia pela chegada da liberdade. As intenções esculpiam o perfil da rádio. Escolhida a opção, surgia outra questão: como se faria a aproximação ao meio radiofónico?

Para responder a esta pergunta, o JPN mostra o que se passou antes – nos dias 22 e 23 e no dia 24 de abril -, durante e depois da revolução de 1974, a partir da cronologia apresentada no estudo “A rádio e o 25 de Abril formatos noticiosos, fontes e sons da Revolução”, no congresso “Portugal, 40 anos de Democracia”, da autoria de Ana Isabel Reis e Helena Lima, da Universidade do Porto.